Satipatthana Vipassana
Insight através da Atenção Plena

Por

Venerável Mahasi Sayadaw

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Introdução

Convidado pessoalmente pelo Honorável U Nu, Primeiro Ministro, e Thado Thiri Thudhamma Sir U Thwin, Presidente da Budhha Sasananuggaha Association, o Venerável Mahasi Sayadaw, Bhadanta Sobhana Mahathera, veio de Shwebo para Rangoon no dia 10 de Novembro de 1949. O Centro de Meditação Thathana Yeiktha, localizado na Hermitage Road, Rangoon, foi formalmente aberto no dia 4 de Dezembro de 1949, quando Mahasi Sayadaw começou a ministrar para 15 praticantes o treinamento metódico do sistema correto de Satipatthana Vipassana.

Desde o primeiro dia da abertura do Centro, um discurso expondo o Satipatthana Vipassana, seu objetivo, o método de prática, os benefícios derivados, etc., tem sido proferido para cada grupo de praticantes que chegam quase que diariamente ao Centro para se dedicar ao curso de treinamento intensivo. O discurso em geral demora uma hora e trinta minutos e a tarefa de falar dessa forma quase que diariamente se torna desgastante. Felizmente a Buddha Sasananuggaha Association se ofereceu para aliviar a situação, doando um gravador e o discurso proferido no dia 27 de Julho de 1951 para um grupo de 15 praticantes foi gravado. Depois disso, esse discurso gravado tem sido usado constantemente, todos os dias, precedido por algumas observações preliminares ditas por Mahasi Sayadaw.

Assim, devido à grande demanda de muitos centros de meditação afiliados ao Mahasi Satipatthana Vipassana, bem como do público em geral, este discurso foi publicado em formato de livro em 1954. O livro se encontra agora na sexta edição. Como existe também um grande interesse e demanda entre praticantes de outras nacionalidades que não conhecem o Birmanês, o discurso agora está traduzido para o inglês.

U Pe Thin (Tradutor)
Mahasi Yogi
Dezembro, 1957

 


 

Satipatthana Vipassana

Namo Buddhasa
Homenagem ao Perfeitamente Iluminado

Ao encontrarmos o Ensinamento do Buda, é muito importante que cada um cultive as qualidades da conduta virtuosa (sila), concentração (samadhi) e sabedoria (pañña). A pessoa deve sem dúvida possuir essas três qualidades.

Para as pessoas leigas, o comportamento virtuoso mínimo esperado é a observação dos Cinco Preceitos. Para os bhikkhus é a observação do Patimokkha, o código de disciplina monástica. Qualquer um que seja bem disciplinado no comportamento virtuoso irá renascer num plano feliz de existência como um ser humano ou como um deva.

No entanto, essa forma comum de virtude mundana (lokiya-sila) não servirá como proteção contra a recaída nos planos inferiores de existência miserável, tal como os infernos, o reino animal, ou o reino dos petas (fantasmas). É, portanto, desejável cultivar a forma superior de virtude supramundana (lokuttara-sila). Quando alguém tiver adquirido a virtude supramundana, estará seguro de não recair nos planos inferiores e irá ter sempre uma vida feliz ao renascer como ser humano ou deva. Todos deveriam, portanto, tomar como tarefa o trabalho pela virtude supramundana.

Existe uma real esperança de sucesso para qualquer um que se dedique com sinceridade e seriedade. Seria de fato uma pena se alguém não tomasse esta oportunidade para adquirir qualidades mais elevadas, pois tal pessoa será sem dúvida, mais cedo ou mais tarde, vítima do seu próprio kamma ruim que irá puxá-la para os níveis inferiores de existência miserável nos infernos, no reino animal, ou na esfera dos petas, onde a duração da vida se estende por centenas, milhares ou milhões de anos. Fica, portanto, enfatizado que encontrar o Ensinamento do Buda é uma oportunidade única para trabalhar pelo caminho da virtude (magga-sila) e pelo fruto da virtude (phala-sila).

Não é, no entanto, aconselhável trabalhar apenas pela conduta virtuosa. É necessário também praticar o samadhi ou concentração. Samadhi é o estado concentrado e tranqüilo da mente. A mente comum ou não treinada tem o hábito de perambular por vários lugares. Ela não pode ser mantida sob controle pois, segue atrás de qualquer idéia, pensamento ou imaginação, etc. Para evitar essa perambulação, a mente deve ser treinada para dar atenção constante a um objeto de meditação escolhido. Desenvolvendo essa prática a mente gradualmente abandona as distrações e permanece fixa no objeto para o qual está direcionada. Isto é samadhi.

Existem dois tipos de concentração: concentração mundana (lokiya-samadhi) e concentração supramundana (lokuttara-samadhi). Dessas duas, a primeira consiste de absorções mundanas, tais como as quatro rupa-jhanas – as absorções correspondentes ao reino da matéria sutil – e as quatro arupa-jhanas – as absorções correspondentes ao reino imaterial. Essas absorções podem ser alcançadas através da prática da meditação da tranqüilidade (samatha-bhavana) com métodos tais como a atenção plena na respiração, amor bondade (metta), kasinas, etc. Como resultado dessas realizações ocorrerá o renascimento no plano dos brahmas. O tempo de vida de um brahma é bastante longo e pode durar um ciclo cósmico, dois, quatro, oito até um limite de 84.000 ciclos cósmicos, conforme for o caso. Mas, ao fim desse tempo de vida um brahma irá morrer e renascer como um ser humano ou um deva.

Se alguém leva uma vida virtuosa o tempo todo, poderá desfrutar de uma vida feliz num plano de existência superior, mas, como não estará livre das impurezas da cobiça, aversão e delusão, poderá cometer atos demeritórios em muitas ocasiões. A pessoa será então vítima do seu próprio kamma ruim e irá renascer no inferno ou em outros planos inferiores de existência miserável. Portanto, a concentração mundana também não oferece segurança definitiva. É aconselhável trabalhar pela concentração supramundana, a concentração dos caminhos supramundanos (magga) e dos seus frutos (phala). Para adquirir essa concentração é essencial cultivar a sabedoria (pañña).

Existem dois tipos de sabedoria: mundana e supramundana. Hoje em dia, o conhecimento de literatura, arte, ciência ou outros assuntos mundanos é em geral considerado como uma forma de sabedoria, porém, essa forma de sabedoria não tem nada a ver com o desenvolvimento mental (bhavana). Nem pode ser vista como proporcionando mérito real pois muitas armas de destruição são inventadas por meio desse tipo de conhecimento que sempre está sob a influência da cobiça, aversão e outras motivações inábeis. O verdadeiro espírito da sabedoria mundana, por outro lado, só possui méritos e nenhum demérito de qualquer tipo. A verdadeira sabedoria mundana inclui: o conhecimento empregado nas atividades de bem-estar social e auxílio que não causam dano; aprender a obter o conhecimento do verdadeiro significado ou sentido das escrituras (budistas); e as três classes de conhecimento para o insight (vipassana-bhavana), que são o conhecimento proveniente do aprendizado (sutamaya-pañña), o conhecimento proveniente da reflexão (cintamaya-pañña) e o conhecimento proveniente do desenvolvimento meditativo (bhavanamaya-pañña). A virtude de possuir a sabedoria mundana irá conduzir a uma vida feliz num plano elevado de existência, mas, ainda não poderá prevenir o risco de renascer no inferno ou em outros estados de existência miserável. Só o desenvolvimento da sabedoria supramundana (lokuttara-pañña) poderá definitivamente remover esse risco.

A sabedoria supramundana é a sabedoria dos caminhos supramundanos e dos seus frutos. Para desenvolver essa sabedoria é necessário praticar a meditação de insight (vipassana-bhavana) tendo como base as três disciplinas da virtude, concentração e sabedoria. Ao desenvolver de forma adequada a qualidade da sabedoria, as qualidades da virtude e concentração também serão adquiridas.

O Desenvolvimento da Sabedoria

O método para desenvolver essa sabedoria é observar a materialidade (rupa) e a mentalidade (nama) – os únicos dois elementos que existem num ser vivo – com o objetivo de entender a sua verdadeira natureza. Na atualidade, os experimentos para a observação analítica da materialidade são normalmente executados em laboratórios com o auxilio de vários instrumentos, no entanto, esses métodos não são capazes de lidar com a mente. O método do Buda não requer nenhum tipo de instrumento ou ajuda externa. Ele pode lidar com ambos, a materialidade e a mentalidade com bastante êxito. A própria mente é utilizada para efeitos de análise através da fixação da atenção plena sobre as atividades da materialidade e mentalidade à medida que elas ocorrem na própria pessoa. Ao repetir continuamente este tipo de exercício, a concentração necessária poderá ser alcançada, e quando ela for suficientemente apurada, o fluxo contínuo de origem e cessação da mentalidade e materialidade será percebido de modo vívido.

Um ser vivo consiste apenas dos dois grupos distintos de materialidade e mentalidade. A substância sólida do corpo, tal como é encontrada, pertence ao grupo da materialidade. De acordo com a enumeração usual dos fenômenos materiais, existem no total vinte oito tipos de fenômenos materiais no grupo da materialidade, mas de forma simplificada pode ser observado que o corpo é uma massa de materialidade. Por exemplo, é o mesmo que uma boneca feita de argila ou trigo, que nada mais é do que uma coleção de partículas de argila ou trigo. A materialidade muda a sua forma (ruppati) sob as condições físicas de calor, frio, etc., e devido a essa mutabilidade sob condições físicas diferentes, é denominada rupa em Pali. A materialidade não possui nenhuma faculdade para conhecer um objeto.

No Abhidhamma, os elementos de mentalidade e materialidade são classificados respectivamente como “estados com objeto” (sarammana-dhamma) e “estados sem objeto” (anarammana-dhamma). O elemento de mentalidade possui um objeto, detém um objeto, conhece um objeto, enquanto que aquele da materialidade não possui um objeto, não detém um objeto e não conhece um objeto. Assim, pode-se ver que o Abhidhamma afirma de forma direta que a materialidade não possui a faculdade de conhecer um objeto. Um meditador também percebe desta maneira, que a “materialidade não possui a faculdade de conhecimento.”

Lenha e colunas, tijolos, pedras e torrões de terra são massas de materialidade. Eles não possuem a faculdade de conhecimento. O mesmo se dá com a materialidade que constitui um corpo vivo - não possui a faculdade de conhecimento. As pessoas, no entanto, possuem em comum a idéia de que a materialidade de um corpo vivo possui a faculdade de conhecer um objeto e de que perde essa faculdade somente com a morte. Mas, na verdade não é assim. Na verdade, a materialidade, quer seja num corpo vivo ou num cadáver, não possui a faculdade de conhecer um objeto.

O que é então aquilo que conhece um objeto? É a mentalidade, que surge na dependência da materialidade. É chamada nama em Pali porque se inclina (namati) em direção a um objeto. A mentalidade também é referida como pensamento ou consciência. A mentalidade surge na dependência da materialidade: na dependência do olho, a consciência no olho surge (visão); na dependência do ouvido, a consciência no ouvido surge (audição); na dependência do nariz, a consciência no nariz surge (olfato); na dependência da língua, a consciência na língua surge (sabor); na dependência do corpo, a consciência no corpo surge (tangível). Existem muitos tipos de tangíveis, bons e maus.

Enquanto os tangíveis possuem um amplo campo de ação ao percorrer toda a extensão do corpo, internamente e externamente, o sentido da visão, audição, olfato e paladar surgem na sua esfera particular – o olho, o ouvido, o nariz e a língua – cada um dos quais ocupando uma área pequena e delimitada no corpo. Esses sentidos do tato, visão, etc., não são nada mais que elementos da mente. Na mente também ocorre a consciência – pensamentos, idéias, fantasias, etc. – que depende da base da mente. Todos estes são elementos da mente. A mente conhece um objeto, enquanto que a materialidade não conhece um objeto.

Visão

Em geral as pessoas acreditam que, no caso da visão, é o olho que na verdade vê. Elas pensam que a visão e o olho são a mesma coisa. Elas também pensam que: “A visão sou eu,” “Eu vejo as coisas,” “O olho, a visão e eu somos uma única pessoa.” Não é assim, na realidade. O olho é uma coisa e a visão é outra e não existe uma entidade separada tal como o “eu” ou “ego.” Existe apenas a realidade da visão que surge na dependência do olho.

Para dar um exemplo, é como o caso de uma pessoa que está dentro de uma casa. A casa e a pessoa são duas coisas distintas: a casa não é a pessoa, nem a pessoa é a casa. Da mesma forma com a visão. O olho e a visão são duas coisas distintas: o olho não é a visão, nem a visão é o olho.

Para dar um outro exemplo, é como o caso de uma pessoa num quarto, que ao abrir a janela vê muitas coisas. Se ela for perguntada, “Quem é que vê? É a janela ou a pessoa que na verdade vê?” a resposta é, “A janela não possui a habilidade de ver; é apenas a pessoa que vê.” Se perguntada outra vez, “A pessoa será capaz de ver as coisas no exterior sem a janela?” a resposta será, “Não é possível enxergar através da parede sem uma janela. Só é possível ver através da janela.” Da mesma forma, no caso da visão existem duas realidades separadas, o olho e a visão. O olho não é a visão, nem a visão é o olho, porém, não pode existir um ato de ver sem o olho. Na realidade, a visão surge na dependência do olho.

Agora está evidente que no corpo existem apenas dois elementos distintos, de materialidade (olho) e mentalidade (visão) em cada momento de ver. Além disso, existe também um terceiro elemento de materialidade – o objeto visual. Em certas ocasiões o objeto visual é notado dentro do corpo e outras vezes é notado fora do corpo. Com a adição do objeto visual serão então três elementos, dois dos quais (o olho e o objeto visual) são a materialidade e o terceiro (visão) a mentalidade. O olho e o objeto visual, sendo materialidade, não possuem a faculdade de conhecer um objeto, enquanto que a visão, sendo mentalidade, pode conhecer o objeto visual e determinar o que ele é. Agora está claro que existem apenas os dois elementos separados de materialidade e mentalidade no momento de ver e o surgimento desse par de elementos separados é conhecido como visão.

As pessoas que não possuem o treinamento e o conhecimento da meditação de insight têm a idéia de que a visão pertence ou é o “eu”, “ego,” “uma entidade viva,” ou “uma pessoa.” Elas acreditam que “a visão sou eu,” ou “eu sou a visão,” ou “eu sou o conhecimento.” Esse tipo de idéia ou entendimento é chamado sakkaya-ditthi em Pali. Sakkaya significa o grupo de materialidade (rupa) e mentalidade (nama) com suas existências distintas. Ditthi significa o entendimento, idéia ou crença incorreta. A palavra composta sakkaya-ditthi significa o entendimento incorreto ou crença num eu em relação a nama e rupa.

Para maior clareza, explicaremos um pouco mais sobre como o entendimento ou idéia incorreta é sustentada. No momento de ver, as coisas que na realidade existem são o olho, o objeto visual (ambos materialidade) e a visão (mentalidade). Nama e rupa são a realidade, no entanto, as pessoas possuem a idéia de que esse grupo de elementos é o eu, ou ego, ou uma entidade viva. Elas consideram que “ver é o eu,” ou “aquilo que vê é o eu,” ou “eu vejo meu próprio corpo.” Portanto, esse entendimento incorreto toma o simples ato de ver como sendo o eu, que é sakkaya-ditthi, o entendimento incorreto de um eu.

Enquanto a pessoa não se libertar do entendimento incorreto de um eu, não poderá, com segurança, escapar do risco de cair num dos planos miseráveis dos infernos, animais ou petas. Embora possa viver uma vida feliz no mundo humano ou dos devas por virtude dos seus méritos, ainda assim estará sujeita, em qualquer momento, a cair num dos estados de existência miserável quando os deméritos frutificarem. Por essa razão, o Buda apontou ser essencial trabalhar pela completa erradicação do entendimento incorreto de um eu:

“Que um bhikkhu se empenhe com a atenção plena para abandonar a idéia de um eu” (sakkaya-ditthippahanaya sato bhikkhu paribbaje)

Explicando: embora seja o desejo de todos evitar o envelhecimento, enfermidade e morte, ninguém pode impedir o seu inevitável re-surgimento. Após a morte, segue o renascimento. O renascimento em algum estado de existência não depende do desejo de cada um. Não é possível evitar o renascimento nos infernos, no reino dos animais ou no reino dos petas apenas através do desejo. O renascimento pode ocorrer em qualquer estado de existência como conseqüência das próprias ações: não existe outra opção. Por essa razão, o ciclo de nascimentos e morte, samsara, é tão terrível. Portanto, todo esforço deve ser feito para que cada um se familiarize com as condições miseráveis do samsara, e então venha a trabalhar para escapar do samsara para alcançar Nibbana.

Se escapar do samsara de vez não é possível no momento, um esforço deve ser feito para pelo menos escapar do ciclo de renascimentos nos infernos, no reino animal e no reino dos petas. Neste caso é necessário trabalhar pela completa remoção de sakkaya-ditthi, que é a causa primária do renascimento nos estados miseráveis de existência. Sakkaya-ditthi só pode ser completamente destruído através do nobre caminho e do seu fruto: as três qualidades supramundanas da virtude, concentração e sabedoria. É, portanto, imperativo trabalhar pelo desenvolvimento dessas qualidades. Como se deve trabalhar? Através da notação ou observação a pessoa deve sair da esfera de influência das contaminações (kilesa). Ela deve praticar notando ou observando constantemente cada ato de ver, ouvir, etc., que são os processos físicos e mentais, até que se liberte de sakkaya-ditthi, o entendimento incorreto do eu.

Por essas razões, o conselho para adotar a prática da meditação vipassana é invariavelmente dado aqui. Agora, os meditadores que vieram a este Centro com o propósito de praticar a meditação vipassana deverão ser capazes de completar o curso de treinamento e alcançar o nobre caminho em pouco tempo. O entendimento do eu será então completamente removido e a proteção contra o perigo de renascer nos reinos dos infernos, animais e petas será obtida.

Com respeito a isso, o exercício é simplesmente notar ou observar os elementos existentes em cada ato de ver. Deve ser notado como “vendo, vendo” em cada ocasião que se vê. Os termos “notar” ou “observar” ou “contemplar” significam o ato de manter a mente fixada no objeto com o objetivo de conhecê-lo de forma clara.

Quando isso é feito, e o ato de ver é notado como “vendo, vendo,” em certas ocasiões o objeto visual é notado, em outras a consciência de ver é notada, em outras a base do olho, o lugar do qual se vê é notado. Será suficiente se a pessoa puder notar com clareza qualquer um dos três. Se não, baseado neste ato de ver irá surgir sakkaya-ditthi, que irá enxergar sob a forma de uma pessoa ou como pertencendo a uma pessoa, ou como sendo permanente, prazeroso e como eu. Isso irá estimular as contaminações do desejo e do apego que por seu lado irão gerar ações e as ações irão resultar num renascimento, numa nova existência. Assim opera o processo de origem dependente e o círculo vicioso do samsara gira sem cessar. Para evitar o círculo do samsara a partir desse ato de ver, é necessário notar “vendo, vendo” em cada ocasião que estiver vendo.

Audição, Etc.

Da mesma forma, no caso da audição existem apenas dois elementos distintos, materialidade e mentalidade. O sentido da audição surge na dependência do ouvido. Enquanto que o ouvido e o som são dois elementos da materialidade, o sentido da audição é um elemento da mentalidade. Para conhecer de forma clara qualquer um desses dois elementos de mentalidade e materialidade, em cada ocasião que estiver ouvindo deve ser notado como “ouvindo, ouvindo.” Assim também, “cheirando, cheirando” deve ser notado em cada ocasião que estiver cheirando, e “saboreando, saboreando” em cada ocasião que estiver saboreando.

O tangível no corpo deve ser notado da mesma forma. Existe um tipo de elemento material em todo o corpo conhecido como sensibilidade corporal, que recebe todas as sensações tácteis. Todas as sensações tácteis, quer sejam agradáveis ou desagradáveis, em geral entram em contato com a sensibilidade corporal e a partir disso surge a consciência no corpo que sente ou conhece a sensação táctil de cada evento. Pode ser visto que a cada sensação táctil existem dois elementos de materialidade – a sensibilidade corporal e o objeto tangível – e um elemento de mentalidade – conhecendo a sensação táctil.

Para conhecer essas coisas de forma clara, a cada sensação táctil, a prática de notar como “toque, toque” deve ser feita. Isto se refere apenas à forma comum da sensação táctil. Existem formas especiais que acompanham as sensações dolorosas ou desagradáveis, tal como sentir tensão ou cansaço no corpo ou membros, sentir calor, dor, dormência, incômodo, etc. Como a sensação (vedana) predomina nesses casos, deve ser notado como “sensação de calor,” “sensação de cansaço,” “sensação de dor,” etc., de acordo com o caso.

Também deve ser mencionado que ocorrem muitas sensações nas mãos, pernas, etc., em cada ação de dobrar, esticar ou mover. Pelo fato da mentalidade querer mover, esticar ou dobrar, as atividades materiais de mover, esticar ou dobrar, etc. ocorrem em sucessão. (Pode ser que no início essas ocorrências não sejam notadas. Elas poderão ser notadas apenas depois de algum tempo ao ganhar-se experiência com a prática. Isto é mencionado aqui para efeito de informação geral.) Todas as atividades de movimento e mudanças, etc., são feitas pela mentalidade. Quando a mentalidade quer dobrar, surge uma série de movimentos internos da mão ou perna. Quando a mentalidade quer esticar ou mover, surgem uma série de movimentos externos ou movimentos de ir e vir. Eles desaparecem imediatamente depois que ocorreram, no ponto exato da ocorrência, como poderá ser notado com mais experiência.

Em cada evento de dobrar, esticar, ou outras atividades, surge primeiro uma série de intenções, momentos de mentalidade, induzindo ou causando nas mãos e pernas uma série de atividades materiais, tais como enrijecer, dobrar, esticar ou mover para cá e para lá. Essas atividades vão de encontro a outros elementos materiais, a sensibilidade corporal, e em cada evento de contato entre as atividades materiais e as qualidades de sensação surge a consciência no corpo que sente ou conhece a sensação táctil. Fica, portanto, claro que as atividades materiais são fatores predominantes nesses casos. É necessário notar esses fatores predominantes. Se não, com certeza irá surgir o entendimento incorreto que considera essas atividades como ações de um “eu” – “eu estou dobrando,” “eu estou esticando,” “minhas mãos,” ou “minhas pernas.” A prática de notar como “dobrando,” “esticando,” “movendo,” é feita com o propósito de remover esse entendimento incorreto.

Mente

Na dependência da base da mente surge uma série de atividades mentais, tais como pensar, imaginar, etc., ou falando de uma forma geral, uma série de atividades mentais surgem na dependência do corpo. Na realidade, cada caso é uma composição de mentalidade e materialidade, a base da mente sendo a materialidade e o pensamento, imaginação e assim por diante, sendo a mentalidade. Para ser capaz de notar a materialidade e a mentalidade com clareza, “pensando,” “imaginando” e assim por diante, deve ser notado em cada caso.

Depois de haver executado a prática da maneira indicada por algum tempo, poderá ocorrer uma melhoria na concentração. A pessoa irá notar que a mente não mais perambula por vários lugares, mas permanece fixa no objeto para o qual está direcionada. Ao mesmo tempo, o poder de observação terá se desenvolvido de forma considerável. Em cada ocasião em que uma notação é feita, apenas dois processos de materialidade e mentalidade são observados pela pessoa, um conjunto composto de um objeto (materialidade) e um estado mental (mentalidade), surgindo ao mesmo tempo.

Prosseguindo com a prática de meditação, depois de algum tempo será notado que nada é permanente, mas que tudo se encontra num estado de movimento. Novas coisas surgem a cada instante. Cada uma delas é notada ao surgir. Tudo que surge desaparece imediatamente e imediatamente outra coisa surge, a qual é novamente notada e depois desaparece. Assim o processo de surgimento e desaparecimento continua, o que mostra com clareza que nada é permanente. A pessoa, dessa forma, compreende que “as coisas não são permanentes” porque pode ver que elas surgem e desaparecem imediatamente. Esse é o insight da impermanência (aniccanupassana-ñana).

Então a pessoa compreende que “o surgimento e desaparecimento não são desejáveis.” Esse é o insight do sofrimento (dukkhanupassana-ñana). Ela em geral também experimenta muitas sensações dolorosas no corpo, tais como cansaço, calor, dores, e ao notar essas sensações a pessoa se dá conta de que este corpo é uma coleção de sofrimentos. Isso também é o insight do sofrimento.

Então, a cada momento em que uma notação é feita se observa que os elementos da materialidade e mentalidade ocorrem de acordo com a sua respectiva natureza e condicionamento e não de acordo com o desejo da pessoa. Assim ela compreende que “eles são elementos; não podem ser governados; não são uma pessoa ou uma entidade viva.” Esse é o insight do não-eu (anattanupassana-ñana).

Ao adquirir de forma plena esses insights da impermanência, sofrimento e não-eu, ocorre o amadurecimento do conhecimento dos caminhos supramundanos (magga-ñana) e o conhecimento dos seus frutos (phala-ñana), e Nibbana é realizado. Ao realizar Nibbana no primeiro estágio, a pessoa estará livre do ciclo de renascimentos nos reinos de existência miserável. Todos, portanto, deveriam se empenhar para realizar esse primeiro estágio, o caminho e fruto de entrar na correnteza, como uma medida de proteção mínima contra um renascimento desfavorável.

O Exercício para o Principiante

Já foi explicado que o método de prática na meditação vipassana é notar, ou observar, ou contemplar as ocorrências sucessivas de ver, ouvir e assim por diante nas seis portas dos meios dos sentidos. No entanto, não é possível que um principiante siga todos esses incidentes sucessivos à medida que eles ocorrerem porque a sua atenção plena (sati), concentração (samadhi) e compreensão (ñana) ainda são muito débeis. Os momentos de ver, ouvir, cheirar, saborear, tocar e pensar ocorrem com muita rapidez. Parece que ver ocorre ao mesmo tempo que ouvir, que ouvir ocorre ao mesmo tempo que ver, que ver e ouvir ocorrem simultaneamente, que ver, ouvir, pensar e imaginar sempre ocorrem simultaneamente. Como eles ocorrem com tal rapidez, não é possível distinguir qual ocorre primeiro e qual vem em segundo lugar.

Na realidade, ver não ocorre ao mesmo tempo que ouvir, nem ouvir ocorre ao mesmo tempo que ver. Esses incidentes só podem ocorrer um de cada vez. Um meditador que apenas tenha começado a prática e que não tenha desenvolvido de forma adequada a sua atenção plena, concentração e sabedoria não estará ainda em condições de observar todos esses momentos individualmente, pois eles ocorrem em sucessão. Um principiante, portanto, não precisa notar muitas coisas. Ele deve começar com bem poucas coisas.

Ver e ouvir apenas ocorrem quando se dá atenção aos seus objetos. Se a pessoa não prestar atenção a nenhuma visão ou som, poderá passar o tempo sem que nenhum evento de ver ou ouvir ocorra. Cheiros raramente ocorrem. A experiência de saborear ocorre somente ao comer. No caso de ver, ouvir, cheirar e saborear, o meditador poderá notá-los quando eles ocorrerem. As impressões corporais, no entanto, estão sempre presentes. Elas ocorrem de forma clara o tempo todo. Enquanto a pessoa estiver sentada, as impressões corporais de tensão ou a sensação de rigidez da posição são sentidas com clareza. A atenção deve, portanto, estar fixada na posição sentada e a notação “sentada, sentada, sentada” deve ser feita.

Sentar

Sentar é uma postura ereta do corpo que consiste de uma série de atividades físicas que são induzidas pela consciência e que se compõem de uma série de atividades mentais. É igual a uma bola de borracha inflada que mantém a sua forma arredondada através da resistência do ar dentro dela. A postura de sentar é semelhante, pois o corpo é mantido numa posição ereta através do processo contínuo das atividades físicas. Uma boa dose de energia é necessária para erguer e manter em posição ereta uma carga tão pesada como este corpo. As pessoas em geral assumem que o corpo é levantado e mantido numa posição ereta através dos músculos. Essa premissa é de certa forma correta pois os músculos, sangue, tendões e ossos não são nada mais que materialidade. O elemento de tensão que mantém o corpo numa posição ereta pertence ao grupo da materialidade e surge nos músculos, tendões, sangue, etc., por todo o corpo, da mesma forma como o ar na bola de borracha.

O elemento de tensão é o elemento ar, conhecido como vayo-dhatu. O corpo é mantido numa posição ereta através do elemento ar sob a forma de tensão que se renova continuamente. Durante o sono ou sonolência, a pessoa se deita porque o suprimento de novos materiais sob a forma de tensão é interrompido. O estado mental quando há muita sonolência ou durante o sono é chamado bhavanga, o “contínuo da vida” ou fluxo passivo subconsciente. Durante bhavanga, as atividades mentais estão ausentes e por essa razão o corpo permanece deitado durante o sono ou muita sonolência.

Durante o período desperto, as atividades mentais intensas e alertas estão continuamente surgindo, e devido a isso, o elemento ar surge na seqüência sob a forma de tensão. Para conhecer esses fatos, é essencial notar a postura corporal atentamente como “sentada, sentada, sentada.” Isso não quer dizer necessariamente que essa impressão corporal de tensão deva ser buscada e notada. A atenção deve ser fixada apenas no conjunto completo da postura sentada, isto é, o tronco inferior numa forma circular dobrada e o tronco superior mantido ereto.

Pode ser que o exercício de observar a mera posição sentada seja considerado fácil demais e que não requeira muito esforço. Se for assim, há pouca energia (viriya) e concentração (samadhi) em excesso. A pessoa irá em geral sentir preguiça e não irá querer prosseguir repetindo por um longo tempo a notação de “sentada, sentada, sentada.” A preguiça em geral ocorre quando existe um excesso de concentração e falta de energia. Nada além de um estado de preguiça e torpor (thina-middha).

Mais energia deve ser desenvolvida e para que isso ocorra o número de objetos notados deve ser aumentado. Depois de notar “sentada,” a atenção deve ser dirigida para um ponto no corpo onde a sensação táctil é sentida e uma notação “toque” deve ser feita. Qualquer ponto na perna, mão ou quadril onde uma sensação táctil seja sentida de forma clara irá servir. Por exemplo, depois de notar a posição do corpo sentada como “sentada,” o ponto em que a sensação táctil é sentida deve ser notado como “toque.” A notação deverá, portanto, ser repetida usando esses dois objetos da posição sentada e do ponto do toque alternadamente, como “sentada, toque, sentada, toque, sentada, toque.”

Os termos “notação,” “notar,” “observar” e “contemplar” são aqui usados para indicar a fixação da atenção num objeto. O exercício consiste em simplesmente notar ou observar, ou contemplar o “sentar, tocar.” Quem já possui alguma experiência na prática de meditação poderá achar que este é um exercício fácil, mas aqueles que não possuem experiência prévia poderão achar que é um exercício um tanto quanto difícil.

Expansão - Contração

Um exercício mais simples e fácil para um principiante é o seguinte: a cada respiração ocorre no abdômen um movimento de expansão e contração. Um principiante deveria começar com o exercício de notar esse movimento. Esse movimento de expansão e contração é fácil de observar por sua característica mais tosca e portanto mais adequado para quem está principiando. Como nas escolas onde as lições mais simples são mais fáceis de aprender, assim também ocorre na prática da meditação vipassana. Será mais fácil para um principiante desenvolver a concentração e o conhecimento através de um exercício simples e fácil.

Novamente, o propósito da meditação vipassana é de iniciar o exercício através da contemplação dos fatores proeminentes do corpo. Dos dois fatores de mentalidade e materialidade, o primeiro é sutil e menos proeminente, enquanto que o último possui uma característica mais tosca e é mais proeminente. No princípio, portanto, o procedimento mais comum para quem pratica a meditação de insight é de começar o exercício contemplando os elementos materiais.

Com relação à materialidade, pode ser mencionado aqui que a materialidade derivada (upada-rupa) é sutil e menos proeminente, enquanto que os quatro elementos físicos primários (maha-bhuta-rupa) – terra, água, fogo e ar – são mais toscos e mais proeminentes. Esses últimos portanto deveriam ter a prioridade na seqüência de objetos para contemplação. No caso da expansão – contração, o fator que mais se destaca é o elemento ar, ou vayo-dhatu. O processo de enrijecimento e os movimentos do abdômen que são notados durante a contemplação não são nada mais que as funções do elemento ar. Dessa forma, será visto que o elemento ar é perceptível no início.

De acordo com as instruções do Satipatthana Sutta, a pessoa deve estar plenamente atenta às atividades de caminhar enquanto caminha, àquelas de ficar em pé, sentar e deitar enquanto estiver em pé, sentada e deitada respectivamente. A pessoa também deve estar atenta a outras atividades corporais à medida que cada uma delas ocorra. A respeito disto, é mencionado nos comentários que a pessoa deveria estar plenamente atenta principalmente ao elemento ar, em preferência aos outros três elementos. Na verdade, todos os quatro elementos primários são dominantes em cada ação do corpo e é essencial perceber cada um deles. Ao iniciar a meditação, um dos dois movimentos de expansão ou contração será notado de forma mais clara com cada respiração e o princípio deve ser a notação desses movimentos.

Algumas das características fundamentais do sistema de meditação vipassana foram explicadas para efeito de informação geral. Iremos lidar agora com o esboço dos exercícios básicos.

Esboço dos exercícios básicos

Ao contemplar a expansão e contração, o discípulo deverá manter sua mente no abdômen. Assim ele irá compreender o movimento para cima ou de expansão do abdômen ao inspirar e o movimento para baixo ou contração ao expirar. Uma notação mental deve ser feita como “expansão” para o movimento para cima e “contração” para o movimento para baixo. Se esses movimentos não forem notados com clareza apenas com a fixação da mente sobre eles, então uma ou as duas mãos devem ser colocadas sobre o abdômen.

O meditador não deve tentar modificar a sua maneira natural de respirar. Ele não deve tentar reduzir a respiração através da retenção do ar, nem acelerar a respiração ou respirar fundo. Se o fluxo natural da respiração for modificado surgirá logo o cansaço. Portanto, ele deve manter o fluxo natural da respiração e dar prosseguimento à contemplação da expansão e contração.

Ao ocorrer o movimento ascendente do abdômen, a notação mental “expansão” deve ser feita e no movimento descendente do abdômen, a notação mental “contração” deve ser feita. A notação mental desses termos não deve ser vocalizada. Na meditação vipassana é mais importante conhecer o objeto do que conhecê-lo através de um nome ou termo. É portanto necessário que o discípulo faça todo o esforço para estar plenamente atento ao movimento de expansão desde o seu início até o seu final e da contração desde o seu início até o seu final, como se esses movimentos estivessem na verdade sendo vistos com os olhos. Assim que ocorrer a expansão, a mente que toma conhecimento disso deve estar próxima do movimento, como no caso de uma pedra atingindo uma parede. O movimento de expansão, à medida que ele ocorre, e a mente que toma conhecimento disso têm que se encontrar a cada momento. Da mesma forma, o movimento de contração, à medida que ele ocorre, e a mente que toma conhecimento disso, têm que se encontrar a cada momento.

Quando não existir nenhum outro objeto que seja evidente, o meditador deve dar continuidade ao exercício de notar esses dois movimentos como “expansão, contração, expansão, contração, expansão, contração.” Enquanto estiver ocupado com esse exercício, poderá haver ocasiões em que a mente se desviará. Quando a concentração é fraca é muito difícil controlar a mente. Embora esta seja dirigida para os movimentos de expansão e contração, a mente não permanecerá com eles e irá se desviar para outras coisas. Essa mente que se desvia para outras coisas não deve ser deixada em paz. Deve ser notada como “desvio, desvio, desvio” assim que for notado que ela se desviou. Ao notar uma ou duas vezes, a mente em geral pára de se desviar e em seguida o exercício de notar a “expansão, contração” deve ser retomado. Quando novamente for observado que a mente chegou a algum lugar, deve ser notado como “chegando, chegando, chegando.” O exercício de notar a “expansão, contração” deve ser retomado assim que os movimentos da mente estiverem claros.

Ao encontrar com uma pessoa na imaginação, deve ser notado como “encontro, encontro,” depois do que, o exercício usual deve ser retomado. Algumas vezes, o fato de que é pura imaginação é descoberto quando a pessoa conversa com aquela pessoa imaginária, então, deve ser notado como “conversando, conversando.” O verdadeiro objetivo é de notar cada atividade mental à medida que ela ocorra. Por exemplo, deve ser notado como “pensamento” no momento em que se estiver pensando e como “refletindo,” “planejando,” “conhecendo,” “se preocupando,” “se alegrando,” “sentindo-se preguiçoso,” “sentindo-se feliz,” “sentindo-se enojado,” etc., conforme for o caso, à medida que cada atividade ocorra. A contemplação e notação das atividades mentais é chamada cittanupassana, contemplação da mente.

Como as pessoas não possuem conhecimento prático da meditação vipassana, elas em geral não estão em posição de compreender o verdadeiro estado da mente. Isso as conduz naturalmente ao entendimento incorreto de assumir que a mente é uma “pessoa,” “eu,” “entidade viva.” Elas em geral crêem que a “imaginação” é o eu,” “eu sou o pensamento,” “eu sou o planejamento,” “eu sou a compreensão” e assim por diante. Elas acreditam que existe uma entidade viva ou eu que cresce da infância até a idade adulta. Na realidade, essa entidade viva não existe, mas há um processo contínuo de elementos mentais que ocorrem um de cada vez, em sucessão. A prática da meditação é portanto feita com o objetivo de descobrir a verdadeira natureza deste complexo mente-corpo.

Com respeito à mente e a maneira como ela surge, o Buda menciona no Dhammapada (verso 37):

Durangamam ekacaram
Asariram guhasayam
Ye cittam saññamessanti
Mokkhanti Marabandhana.

Indo longe, perambulando só,
Sem forma e repousando numa caverna.
Aqueles que contêm a mente
Com certeza se libertarão dos grilhões de Mara.

Indo longe. A mente em geral perambula por todo lugar. Enquanto o meditador tenta dar seguimento à prática de meditação na sala de meditação, com freqüência ele se dá conta de que a sua mente escapou para muitos outros lugares, cidades, etc. Ele também se dá conta que a mente num instante de imaginação ou pensamento pode errar para qualquer um dos lugares distantes que ele tenha conhecido. Esse fato é descoberto com o auxílio da meditação.

Só. A mente ocorre de forma isolada, momento a momento em sucessão. Aqueles que não percebem essa realidade acreditam que uma única mente exista no curso da vida ou existência. Eles não sabem que novas mentes estão sempre surgindo a cada momento. Eles pensam que ver, ouvir, cheirar, saborear, tocar e pensar no passado e no presente são parte da mesma mente e que três ou quatro ações de ver, ouvir, tocar, conhecer, em geral ocorrem ao mesmo tempo.

Esses são entendimentos incorretos. Na realidade, momentos isolados da mente surgem e desaparecem continuamente, um após o outro. Isso poderá ser percebido com a prática. Os casos de imaginação e planejamento são percebidos com facilidade. A imaginação desaparece assim que for notada como “imaginação, imaginação,” e o planejamento também desaparece assim que for notado como “planejamento, planejamento.” Essas ocorrências de surgir, notar e desaparecer se assemelham a um cordão de contas. A mente que precede não é a mente que segue. Cada uma é separada da outra. Essas características da realidade podem ser percebidas por qualquer um e para lograr isso é necessário dar continuidade à prática da meditação.

Sem forma. A mente não possui substância, não possui forma. Não é fácil distinguí-la como é o caso da materialidade. No caso da materialidade, o corpo, a cabeça, as mãos e as pernas são bastante proeminentes e notados com facilidade. Se for perguntado o que é a matéria, esta poderá ser manuseada e mostrada. A mente, no entanto, não é descrita com facilidade porque não possui substância ou forma. Por essa razão, não é possível submeter a mente a experimentos analíticos em laboratório.

A pessoa pode, no entanto, compreender a mente plenamente se for explicado que é aquilo que conhece um objeto. Para compreender a mente é necessário contemplá-la a cada momento em que ela ocorre. Quando a meditação estiver avançada de forma razoável, o acesso da mente ao seu objeto é compreendido com clareza. Parece que a cada momento mental a mente está realizando um salto direto em direção ao objeto. Portanto, a meditação é prescrita para conhecer a verdadeira natureza da mente.

Repousando numa caverna. Como a mente surge na dependência da base da mente e das outras portas dos meios dos sentidos situadas no corpo, diz-se que ela está repousando numa caverna.

Aqueles que contêm a mente com certeza se libertarão dos grilhões de Mara. É dito que a mente deve ser observada a cada momento em que ela ocorra. A mente pode, portanto, ser controlada através da meditação. Ao controlar a mente com êxito, o meditador irá conquistar a libertação dos grilhões de Mara, o Rei da Morte. Com isso, pode ser visto que é importante notar a mente a cada momento em que ela ocorre. Assim que for notado, aquele momento mental desaparece. Por exemplo, ao notar uma ou duas vezes como “intenção, intenção,” observa-se que a intenção desaparece de imediato. Em seguida o exercício tradicional de notar a “expansão, contração, expansão, contração” deve ser retomado.

Durante o exercício usual, a pessoa pode sentir vontade de engolir saliva. Isso deve ser notado como “desejo,” e ao acumular a saliva como “acumulando” e ao engolir como “engolindo,” na ordem seqüencial das ocorrências. A razão para a contemplação neste caso é porque pode haver uma idéia pessoal persistente que “querer engolir é o eu,” “engolir também é o eu.” Na realidade, “desejar engolir” é a mentalidade e não um “eu” e “engolir” é a materialidade e não um “eu.” Naquele momento apenas existe a mentalidade e a materialidade. Contemplando desta forma a pessoa irá compreender com clareza o processo da realidade. Do mesmo modo, no caso de cuspir deve ser notado como “desejo” quando a pessoa quer cuspir, como “curvando” ao curvar o pescoço, (que deve ser feito vagarosamente), como “vendo” ao ver e como “cuspindo” ao cuspir. Em seguida o exercício usual de notar “expansão, contração” deve ser retomado.

Ao ficar sentado por um longo tempo, irão surgir no corpo sensações desagradáveis de tensão, calor e assim por diante. Essa sensações devem ser notadas quando ocorrerem. A mente deve ser fixada naquele ponto e a notação de “tenso, tenso” ao sentir tensão, de “quente, quente” ao sentir calor, de “dor, dor” ao sentir dor, de “formigamento, formigamento” ao sentir sensações de formigamento e de “cansaço, cansaço” ao sentir cansaço. Essa sensações desagradáveis são dukkha-vedana e a contemplação dessas sensações é vedananupassana, contemplação das sensações.

Devido à ausência de conhecimento em relação a essas sensações, persiste o entendimento incorreto de tomá-las como sendo a própria identidade ou eu, dizendo, “eu sinto a tensão,” “eu sinto a dor,” “antes eu estava me sentindo bem, mas agora me sinto desconfortável,” como se fosse um único eu. Na realidade, as sensações desagradáveis surgem devido a impressões desagradáveis no corpo. Tal como a luz numa lâmpada elétrica que poderá continuar a arder enquanto houver suprimento de energia, o mesmo ocorre com as sensações que surgem a cada ocasião de contato com impressões desagradáveis.

É essencial compreender essas sensações de forma clara. No início ao notar como “tenso, tenso,” “quente, quente,” “dor, dor,” a pessoa poderá sentir que essas sensações desagradáveis se intensificam, e em seguida irá notar que surge na mente o desejo de mudar de postura. Esse desejo deve ser notado como “desejo, desejo.” Então, deve-se retornar à sensação e continuar a notar como “tenso, tenso,” ou “quente, quente” e assim por diante. Se, com grande paciência, a pessoa contemplar dessa forma, as sensações desagradáveis irão desaparecer.

Existe um ditado que diz que a paciência conduz a Nibbana. É evidente que esse ditado se aplica mais ao caso da meditação do que qualquer outra coisa. Muita paciência é necessária no caso da meditação. Se um meditador não for capaz de suportar com paciência as sensações desagradáveis e com freqüência mudar de posição durante a meditação, ele não pode esperar atingir alguma concentração. Sem concentração não existe chance de obter o conhecimento do insight (vipassana-ñana) e sem o conhecimento do insight os caminhos supramundanos, os seus frutos e Nibbana não serão realizados.

A paciência é de grande importância na meditação. A paciência é necessária principalmente para suportar as sensações desagradáveis no corpo. Raramente existem perturbações externas que requeiram o exercício da paciência. Isso significa que khantisamvara, a contenção pela paciência, deve ser observada. A postura não deve ser mudada de imediato ao surgirem sensações desagradáveis, apesar delas a meditação deve continuar com as notações das sensações como “tenso, tenso,” “quente, quente” e assim por diante. Essas sensações dolorosas são algo absolutamente normal e irão passar. No caso de concentração firme, será observado que dores intensas irão desaparecer quando forem notadas com paciência. Com o desaparecimento do sofrimento ou dor, o exercício usual de notar “expansão, contração” deve ser retomado.

Por outro lado, poderá ser observado que dores ou sensações desagradáveis não desaparecem de imediato mesmo quando forem notadas com imensa paciência. Em tal caso, a pessoa não tem outra alternativa senão mudar de posição. A pessoa deve, nesse caso, submeter-se às forças superiores. Quando a concentração não for firme o suficiente, as dores intensas não irão desaparecer com rapidez. Nessas circunstâncias, com freqüência surgirá na mente o desejo de mudar de postura e esse desejo deve ser notado como “desejo, desejo.” Depois disso, a pessoa deve notar “levantando, levantando” ao mover-se.

As ações com o corpo devem ser executadas de forma vagarosa e os movimentos lentos devem ser seguidos e notados como “levantando, levantando,” “movendo, movendo,” “tocando, tocando,” na ordem sucessiva do processo. Novamente, ao mover-se a pessoa deve notar “movendo, movendo” e ao abaixar, notar “abaixando, abaixando.” Se, ao completar este processo de mudança de postura não houver nada mais para ser notado, o exercício usual de notar “expansão, contração” deve ser retomado.

Não deve haver interrupção ou intervalo no processo. O ato precedente de notar e aquele que segue devem ser contíguos. Da mesma forma, a concentração que precede e aquela que segue devem ser contíguas e o ato precedente de conhecer e aquele que segue devem ser contíguos. Desta maneira ocorre o desenvolvimento gradual, em etapas, da atenção plena, concentração e sabedoria e se houver o seu desenvolvimento completo, o estágio final de conhecimento do caminho supramundano será alcançado.

Na prática da meditação vipassana é importante seguir o exemplo de uma pessoa que tenta acender um fogo. Para acender um fogo no tempo em que ainda não haviam fósforos, uma pessoa tinha que friccionar dois gravetos sem que houvesse a menor interrupção no movimento. À medida que os gravetos se aqueciam, mais esforço era necessário e o ato de friccionar tinha que ser executado sem cessar. Somente depois que o fogo tivesse sido produzido a pessoa poderia descansar. Da mesma forma, um meditador tem que se empenhar duro de forma que não haja interrupção entre a notação precedente e aquela que segue, entre a concentração precedente e aquela que segue. Ele deve reverter ao seu exercício usual de notar a “expansão, contração” depois de haver notado as sensações dolorosas.

Enquanto estiver ocupado com o seu exercício habitual, ele poderá outra vez sentir coceira em algum lugar do corpo. Ele deverá, então, fixar a sua atenção no local e fazer a notação de “coçando, coçando.” A coceira é uma sensação desagradável. Assim que ela é sentida, surge na mente o desejo de coçar. Esse desejo deve ser notado como “desejo, desejo,” depois do que, não se deve esfregar ou coçar, mas deve-se retornar ao ponto da coceira e a notação de “coçando, coçando” deve ser feita. E ao contemplar desta forma, na maioria dos casos a coceira desaparece e o exercício usual de notar a “expansão, contração” pode então ser retomado.

Se, por outro lado, for observado que a coceira não desaparece e que é necessário coçar ou esfregar, a contemplação dos estágios sucessivos deve ser feita notando a mente como “desejo, desejo.” Depois deve-se prosseguir notando “levantando, levantando” ao levantar a mão, “tocando, tocando” quando a mão tocar no ponto, “coçando, coçando” ou “esfregando, esfregando” quando a mão coçar ou esfregar, “levantando, levantando” ao levantar a mão, “tocando, tocando” quando a mão toca o corpo e depois a contemplação usual de “expansão, contração” deve ser retomada. Em cada caso de mudança de postura a contemplação dos estágios sucessivos deve ser feita da mesma forma, com cuidado.

Enquanto, assim cuidadosamente, a pessoa prossegue com a meditação, ela poderá observar que sensações dolorosas surgem no corpo por sua própria conta. Normalmente as pessoas mudam a postura assim que sentem a menor sensação desagradável de cansaço ou calor sem tomar nota desses incidentes. A mudança de postura é feita de uma forma bastante negligente ao mesmo tempo em que a dor começa a se intensificar. Assim, as sensações dolorosas não ocorrem de maneira clara. Por essa razão se diz que, como regra, as posturas escondem as sensações dolorosas. As pessoas em geral pensam que se sentem bem por dias e noites sem fim. Elas crêem que as sensações dolorosas apenas ocorrem no momento de um ataque de uma grave enfermidade.

A realidade é exatamente o oposto do que as pessoas pensam. Que alguém tente ver quanto tempo consegue ficar sentado numa única posição sem se mexer. Ela irá sentir desconforto depois de pouco tempo, digamos cinco ou dez minutos, para em seguida tornar-se insuportável depois de quinze ou vinte minutos. A pessoa então se sentirá forçada a mudar de posição quer seja mexendo a cabeça, movendo as mãos ou os pés, ou movendo o corpo para frente ou para trás. Em geral, muitos movimentos ocorrem durante um breve intervalo e o seu número seria enorme se fossem contados ao longo de um único dia. No entanto, ninguém parece ter consciência desse fato porque ninguém presta atenção.

Isso é o que ocorre na maioria dos casos. Já no caso de um meditador que está sempre plenamente atento às suas ações e que pratica meditação, as impressões corporais com a sua respectiva natureza são notadas de forma clara. Não há como as sensações não se revelarem completamente na sua própria natureza, porque ele permanece com plena consciência até que elas sejam vistas na íntegra.

Apesar do surgimento de uma sensação dolorosa, ele permanece observando. Ele normalmente não tenta mudar a sua postura ou mover-se. Assim, ao surgir na mente o desejo de se mover, de imediato ele faz a notação disso como “desejo, desejo,” e em seguida retorna para a sensação dolorosa e continua observando-a. Ele muda a postura ou se mexe apenas quando a sensação dolorosa for insuportável. Neste caso, ele também começa pela observação do desejo na mente e prossegue notando com cuidado cada estágio no processo de mudança. É assim que as mudanças de postura passam a não esconderem mais as sensações dolorosas. Com freqüência um meditador observa sensações dolorosas infiltrando-se daqui e dali ou ele poderá sentir sensações de calor, sensações de dor, coceiras, ou todo o corpo como uma massa de sensações dolorosas. É assim que se pode observar que as sensações dolorosas são predominantes pois, as mudanças de postura já não as escondem.

Se ele intenciona mudar a postura de sentado para em pé, deveria primeiro notar a intenção na mente como “intenção, intenção” e prosseguir com a disposição das mãos e pernas nos estágios sucessivos notando “levantando,” “movendo,” “esticando,” “tocando,” “pressionando” e assim por diante. Quando o corpo se inclina para a frente deve ser notado como “inclinando, inclinando.” Durante o processo de ficar em pé ocorre no corpo uma sensação de leveza juntamente com o ato de levantar. A atenção deve ser fixada nesses fatores e a notação “levantando, levantando” deve ser feita. O ato de levantar-se deve ser feito vagarosamente.

Durante a prática, o mais adequado é que o meditador aja em todas atividades com delicadeza e vagarosamente como se fosse uma pessoa fraca, enferma. Talvez o caso de uma pessoa que sofra de lumbago seja o exemplo mais adequado. O paciente precisa ser sempre cuidadoso e mover-se vagarosamente para evitar as dores. Da mesma forma, um meditador deve sempre tentar fazer os movimentos da forma mais lenta possível. O movimento lento é necessário para possibilitar que a atenção plena, concentração e sabedoria possam acompanhá-lo. Vivendo o tempo todo de forma descuidada, agora a pessoa apenas começa a se treinar seriamente para manter a mente no corpo. É apenas o início e a atenção plena, concentração e sabedoria ainda não estão adequadamente preparadas enquanto que os processos físicos e mentais continuam a ocorrer na velocidade máxima. Por isso, é imperativo reduzir a velocidade desses processos ao nível mínimo, para possibilitar que a atenção plena e a sabedoria os acompanhe. Portanto, vale a pena executar os exercícios em câmara lenta durante todo o tempo.

Além disso, é aconselhável que o meditador se comporte como uma pessoa cega durante o período de treinamento. Uma pessoa sem autocontrole não possui uma aparência digna porque em geral ela olha para as coisas e pessoas de forma libertina. Ela também será incapaz de obter um estado mental calmo e estável. A pessoa cega, por outro lado, se comporta de uma forma contida sentando-se com serenidade com os olhos abaixados. Ela nunca se vira para os lados para olhar para coisas ou pessoas porque ela é cega e é incapaz de vê-las. Mesmo que uma pessoa se aproxime e lhe diga algo, ela nunca se vira para olhar para aquela pessoa. Essa atitude contida é digna de ser imitada. Um meditador deveria agir da mesma forma durante a prática da meditação. Ele não deveria olhar para nada. A sua mente deveria estar apenas focada no objeto da meditação. Enquanto estiver sentado ele deve notar com atenção “expansão, contração.” Mesmo se coisas estranhas ocorrerem nas proximidades, ele não deveria olhar para elas. Se acontecer dele ver algo, deve somente fazer uma notação “vendo, vendo” e prosseguir com o exercício usual de notar a “expansão, contração.” Um meditador deve ter um grande respeito por este exercício e executá-lo com toda consideração, a ponto de ser confundido com uma pessoa cega.

A esse respeito, foi percebido que algumas mulheres, meditadoras, tiveram um comportamento perfeito. Elas realizaram o exercício com todo respeito de acordo com as instruções. Os seus modos foram contidos e elas sempre se aplicaram ao objeto da meditação. Elas nunca olharam em volta. Ao caminhar elas sempre estiveram atentas aos seus passos. Os passos foram leves, suaves e lentos. Todos os meditadores deveriam seguir o exemplo delas.

Também é necessário que um meditador se comporte como uma pessoa surda. Normalmente, assim que uma pessoa ouve um som, ela se vira e olha para a direção de onde veio o som ou ela se vira para a pessoa que lhe disse algo, para responder. Ela não se comporta de forma serena. Uma pessoa surda, por outro lado, se comporta de forma serena. Ela não dá atenção a nenhum som ou conversa porque ela nunca os ouve. Um meditador deve se comportar da mesma forma sem dar atenção a conversas sem importância, nem deveria de forma deliberada ouvir qualquer conversa ou discurso. Se acontecer dele ouvir um som ou conversa, ele deveria de imediato fazer uma notação “ouvindo, ouvindo” e prosseguir com o exercício usual de notar a “expansão, contração.” Ele deveria executar este exercício com toda consideração, a ponto de ser confundido com uma pessoa surda.

Deve ser lembrado que a única preocupação de um meditador é se dedicar com atenção à meditação. As demais coisas vistas ou ouvidas não lhe dizem respeito. Mesmo que elas aparentem ser estranhas ou interessantes, ele não deve dar-lhes atenção. Ao ver algo, ele deve ignorá-lo como se não o visse. Assim também, ele deve ignorar vozes ou sons como se não os ouvisse. No caso de ações com o corpo, ele deve agir de forma lenta e delicada como se estivesse enfermo ou muito fraco.

Outros Exercícios

Caminhar

Deve ser enfatizado, portanto, que o ato de erguer o corpo para ficar em pé deve ser executado vagarosamente. Ao chegar na posição ereta, uma notação “em pé, em pé” deve ser feita. Se por acaso a pessoa olhar em volta, uma notação “olhando, vendo” deve ser feita e ao caminhar, cada passo deve ser notado como “pé direito, pé esquerdo” ou “caminhando, caminhando.” A cada passo, a atenção deve ser fixada na sola do pé ao movê-la a partir do ponto em que a perna é erguida, até o ponto em que é colocada no chão.

Ao caminhar com passos rápidos ou numa caminhada longa, será suficiente uma notação para uma seção de cada passo como “direito, esquerdo” ou “caminhando, caminhando.” No caso de caminhar lentamente, cada passo pode ser dividido em três seções – levantando, movendo para a frente e abaixando. Ao iniciar o exercício, a notação de cada passo em duas partes deve ser feita como “levantando” ao fixar a atenção no movimento ascendente do pé, do princípio ao fim, e como “abaixando” ao fixar no movimento descendente, do princípio ao fim. Assim, o exercício que começa com o primeiro passo notando “levantando, abaixando,” termina agora.

Normalmente, quando o pé é abaixado e a notação “abaixando” é feita, a outra perna começa a se levantar para iniciar o passo seguinte. Isso não deve ocorrer. O próximo passo deve começar apenas depois que o passo anterior tenha terminado, assim: “levantando, abaixando” para o primeiro passo e “levantando, abaixando” para o segundo passo. Depois de dois ou três dias, este exercício se tornará muito fácil e então o meditador deverá realizar o exercício de notar cada passo em três seções como “levantando, movendo, abaixando.” Por enquanto, os meditadores devem iniciar o exercício notando “direito, esquerdo” ou “caminhando, caminhando” ao caminhar rapidamente, e notando “levantando, abaixando” ao caminhar lentamente.

Sentar

Enquanto estiver caminhando, a pessoa pode sentir o desejo de sentar. A pessoa deve então fazer a notação “desejo.” Se acontecer da pessoa olhar para cima, deve ser notado como “olhando, vendo, olhando, vendo”; ao se dirigir para o assento como “levantando, abaixando”; ao parar como “parando, parando”; ao dar a volta como “virando, virando.” Ao sentir o desejo de sentar, notá-lo como “desejo, desejo.” No ato de sentar ocorre no corpo uma sensação de peso e também um puxão para baixo. A atenção deve ser fixada nesses fatores e a notação “sentando, sentando, sentando” deve ser feita. Depois de haver sentado existirão movimentos de colocar as mãos e pernas em posição. Estes devem ser notados como “movendo,” “dobrando,” “esticando” e assim por diante. Se não houver nada para fazer e a pessoa estiver calmamente sentada, ela deve retomar o exercício usual de notar “expansão, contração.”

Deitar

Se no transcurso da meditação a pessoa sentir dores ou cansaço, ou calor, deve ser feita uma notação disso e depois reverter ao exercício usual de notar “expansão, contração.” Se a pessoa sentir sonolência, deve fazer a notação “sonolência, sonolência” e prosseguir com a notação de todos os atos da preparação para se deitar: note trazer as mãos e as pernas para uma outra posição como “levantando,” “pressionando,” “movendo,” “apoiando”; ao inclinar o corpo como “inclinando, inclinando”; ao esticar as pernas como “esticando, esticando”; e ao descer o corpo e deitar como “deitando, deitando, deitando.”

Esses atos insignificantes ao deitar também são importantes e não devem ser negligenciados. Existe uma real possibilidade de obter a iluminação durante esse breve intervalo. Com o pleno desenvolvimento da concentração e da sabedoria, a iluminação pode ser alcançada durante um movimento de dobrar ou esticar. Foi assim que o Venerável Ananda alcançou o estado de Arahant no exato momento em que se deitava.

Por volta do início do quarto mês após a morte do Buda, foi organizado o primeiro concílio de bhikkhus para que em conjunto classificassem, examinassem, confirmassem e recitassem todos os ensinamentos do Buda. Naquela ocasião, quinhentos bhikkhus foram escolhidos para realizar essa tarefa. Desses bhikkhus quatrocentos e noventa e nove eram Arahants enquanto que o venerável Ananda era um sotapanna, ‘aquele que entrou na correnteza’.

Para participar do concílio como um Arahant, em pé de igualdade com os demais, ele fez um tremendo esforço de meditação no dia anterior ao início do concílio. Isso ocorreu no quarto minguante do mês de Savana (Agosto). Ele praticou a atenção plena no corpo e continuou com a meditação andando por toda a noite. Pode ter sido com o mesmo exercício de notar “esquerdo, direito” ou “caminhando, caminhando.” Ele estava dessa forma ocupado com a intensa contemplação do processo de mentalidade e materialidade em cada passo até o amanhecer do dia seguinte e ainda assim sem alcançar o estado de Arahant

Então o venerável Ananda pensou: “Eu fiz o máximo que pude. O Buda disse: ‘Ananda, você possui todas as perfeições (paramis). Pratique a meditação. Com certeza você irá um dia alcançar o estado de Arahant.’ Eu fiz o melhor que pude, tanto assim que sou um daqueles que fizeram o melhor que podiam na meditação. Qual seria a razão para o meu fracasso?”

Então ele se lembrou: “Ah! Eu fui demasiadamente ávido ao praticar apenas a meditação andando durante toda a noite. Existe um excesso de energia e falta de concentração que na verdade é a razão para este estado de inquietação. Agora é necessário parar a meditação andando para equilibrar a energia e a concentração e continuar com a meditação numa posição deitada.” O venerável Ananda entrou então no seu quarto, sentou-se na cama e começou a deitar. Conta-se que ele alcançou o estado de Arahant no exato momento em que se deitava, ou melhor dizendo, no momento em que contemplava “deitando, deitando.”

Essa forma de alcançar o estado de Arahant foi registrada nos Comentários como um evento estranho porque se encontra fora das quatro posturas normais de ficar em pé, sentado, deitado e caminhando. No momento da sua iluminação, não se pode estritamente dizer que o venerável Ananda se encontrava em pé porque os seus pés não estavam sobre o chão, nem estava sentado porque o seu corpo já estava inclinado, estando próximo ao travesseiro, nem poderia estar deitado pois a sua cabeça ainda não havia tocado o travesseiro e o seu corpo ainda não estava na horizontal.

O venerável Ananda era um ‘que entrou na correnteza’ e por isso ele precisaria desenvolver os outros três estágios superiores – o caminho e fruto daquele que retorna uma vez, o caminho e fruto daquele que não retorna e o caminho e fruto do Arahant como realização final. Para realizar tudo isso foi necessário apenas um instante. Portanto, é necessário muito cuidado para manter a prática da meditação sem relaxamento ou omissão.

No ato de deitar, a contemplação deve ser realizada com muito cuidado. Quando um meditador se sente sonolento e quer se deitar deve ser feita a notação “sonolência, sonolência,” “desejando, desejando”; ao levantar a mão “levantando, levantando”; ao esticar “esticando, esticando”; ao tocar “tocando, tocando”; ao pressionar “pressionando, pressionando”; depois de inclinar o corpo e deitá-lo “deitando, deitando.” O ato de deitar-se deve ser feito vagarosamente. Ao tocar o travesseiro deve ser notado “tocando, tocando.” Existem muitos lugares no corpo com sensações tácteis mas, cada ponto deve ser notado apenas um de cada vez.

Na posição deitada também existem muitos movimentos do corpo ao colocar as mãos e pernas em posição. Essas ações devem ser notadas cuidadosamente como “levantando,” “esticando,” “dobrando,” “movendo” e assim por diante. Ao virar o corpo a notação “virando, virando” deve ser feita e quando não houver nada em particular para ser notado, o meditador deve manter a prática usual de notar “expansão, contração.” Enquanto a pessoa estiver deitada de costas ou de lado, em geral, não há nada em particular para ser notado e o exercício usual “expansão, contração” deve ser mantido.

Pode acontecer que enquanto deitado surjam muitas oportunidades para que a mente escape. Essa mente que escapa deve ser notada como “escapando, escapando,” ao escapar, como “chegando, chegando” quando chega a algum lugar, como “planejando,” “refletindo” e assim por diante para cada estado, da mesma maneira como na meditação na posição sentada. Os estados mentais desaparecem ao serem notados por uma ou duas vezes. O exercício usual de notar a “expansão, contração” deve ser retomado. Também pode haver ocorrências de engolir ou cuspir saliva, sensações dolorosas, sensações de calor, sensações de coceira, etc., ou de ações com o corpo ao mudar de posição, ou mover os membros. Estas devem ser contempladas à medida que ocorrem. (Quando a concentração estiver firme o suficiente, será possível manter a contemplação de cada ato de abrir e fechar as pálpebras e piscar). Depois, quando não há mais nada para ser notado deve-se retornar ao exercício usual.

Dormir

Embora tarde da noite na hora de dormir, não é aconselhável que se abandone a meditação para ir dormir. Qualquer um que esteja seriamente interessado na meditação deve estar preparado para enfrentar a possibilidade de ficar várias noites sem dormir.

As escrituras são enfáticas sobre a necessidade de se desenvolver as qualidades dos quatro fatores da energia (caturanga-viriya) na prática de meditação: “Na dura contenda, a pessoa pode ficar reduzida a uma mera armação de pele, ossos e tendões quando o sangue e os músculos murcharem e secarem, mas ela não deve abandonar o empenho enquanto não tiver alcançado aquilo que pode ser alcançado através da perseverança, energia e esforço.” Essas instruções devem ser seguidas com muita determinação. É possível permanecer desperto se houver concentração firme o suficiente para repelir o sono, mas a pessoa irá adormecer se o sono levar vantagem.

Quando a pessoa se sentir sonolenta, ela deverá notar isso como “sonolência, sonolência”; quando as pálpebras estiverem pesadas como “pesado, pesado”; quando os olhos estiverem ofuscados como “ofuscado, ofuscado.” Depois de contemplar dessa forma, pode ser que ela consiga espantar o sono e volte a sentir-se novamente desperta. Essa sensação deve ser notada como “desperta, desperta,” depois do que, o exercício usual de notar “expansão, contração” deve ser retomado. No entanto, apesar dessa determinação, a pessoa pode sentir que é incapaz de manter-se desperta se estiver muito sonolenta. Na posição deitada é mais fácil adormecer. Um principiante deveria portanto tentar permanecer sentado e andando.

Quando a noite tiver avançado, no entanto, o meditador poderá se sentir forçado a deitar e continuar com a contemplação da expansão e contração. Nessa posição ele provavelmente irá dormir. Enquanto estiver dormindo, não é possível continuar com a tarefa da contemplação. É um intervalo para que o meditador relaxe. Uma hora de sono irá lhe proporcionar uma hora de relaxamento e se ele continuar a dormir por duas, três ou quatro horas, ele irá estar ainda mais relaxado, mas não é aconselhável que um meditador durma mais de quatro horas que é o tempo suficiente para um sono normal.

Despertar

Um meditador deve começar a contemplação no momento em que desperta. Estar plenamente ocupado com intensa contemplação durante as horas em que esteja desperto deve ser a rotina de um meditador que se empenha com afinco e que tem a verdadeira aspiração de alcançar o caminho supramundano e o seu fruto. Se não for possível detectar o momento do despertar, então ele deve começar com o exercício usual de notar a “expansão, contração.” Se ele primeiro tomar consciência de uma reflexão, ele deve começar a contemplação notando “refletindo, refletindo” e depois retomar o exercício usual de notar a “expansão, contração.” Se ele primeiro tomar consciência de uma voz ou um outro som, ele deve começar notando “ouvindo, ouvindo” e depois retomar o exercício usual de notar a “expansão, contração.” Ao despertar podem ocorrer movimentos com o corpo ao virar para este ou aquele lado, movendo as mãos ou pernas e assim por diante. Essas ações devem ser contempladas em ordem sucessiva.

Se ele primeiro tomar consciência de estados mentais que conduzam a várias ações com o corpo, ele deve começar a contemplação notando a mente. Se ele primeiro tomar consciência de sensações dolorosas, ele deve começar a contemplação notando essas sensações dolorosas e depois continuar com a notação das ações com o corpo. Se ele permanecer quieto, sem se mover, o exercício usual de notar a “expansão, contração” deve ser retomado. Se ele tiver a intenção de se levantar, ele deve notar isso como “intencionando, intencionando” e depois prosseguir com a notação de todas as ações em ordem seqüencial ao colocar as mãos e pernas nas suas posições. A pessoa deve notar “levantando, levantando” ao levantar o corpo, “sentando, sentando” quando o corpo estiver ereto e numa posição sentada, e também deve-se notar todas as demais ações para colocar as pernas e mãos nas suas posições. Se não houver nada em particular para ser notado, então o exercício usual de notar a “expansão, contração” deve ser retomado.

Até agora mencionamos as coisas que dizem respeito aos objetos de contemplação conectados com as quatro posturas e as mudanças de uma para outra. Isto é uma mera descrição do esboço geral dos principais objetos de contemplação que devem ser observados ao longo da prática. No entanto, no início da prática é difícil seguir todos eles durante a meditação. Muitas coisas serão omitidas mas, ao obter uma concentração firme o suficiente será fácil seguir durante a meditação não somente os objetos enumerados, mas muitos outros. Com o desenvolvimento gradual da atenção plena e da concentração, o progresso da sabedoria se acelera e dessa forma muito mais objetos podem ser percebidos. É necessário trabalhar, fazendo um esforço para alcançar esse nível elevado.

Banhar-se e Comer

A contemplação deve ser mantida ao lavar o rosto pela manhã ou ao tomar um banho. Como é necessário agir com rapidez nessas ocasiões devido à natureza do próprio ato, a contemplação deve ser feita de acordo com as circunstâncias. Ao esticar a mão para pegar o sabonete, deve ser notado como “esticando, esticando”; ao pegar o sabonete como “pegando, pegando”; ao molhar como “molhando, molhando”; ao trazer o sabonete para o corpo como “trazendo, trazendo”; ao despejar água sobre o corpo ou a face como “despejando, despejando”; ao sentir frio como “frio, frio”; ao esfregar como “esfregando, esfregando” e assim por diante.

Também pode haver muitas ações diferentes com o corpo ao trocar ou arrumar a roupa, ao arrumar ou trocar a cama, ao abrir a porta, e assim por diante. Essas ações devem ser contempladas na seqüência, em detalhe, tanto quanto possível.

Ao tomar uma refeição, a contemplação deve começar no momento em que se olhe para a mesa notando “olhando, vendo, olhando, vendo”; ao esticar a mão para o prato, como “esticando, esticando”; quando a mão toca o alimento, como “tocando, quente, quente”; ao juntar a comida, como “juntando, juntando”; ao pegar a comida, como “pegando, pegando”; depois de erguer a mão e ao levantá-la, como “trazendo, trazendo”; ao dobrar o pescoço para a frente, como “dobrando, dobrando”; ao colocar a comida na boca, como “colocando, colocando”; ao retirar a mão, como “retirando, retirando”; ao tocar o prato com a mão, como “tocando, tocando”; ao endireitar o pescoço, como “endireitando, endireitando”; ao mastigar a comida, como “mastigando, mastigando”; ao saborear a comida, como “saboreando, saboreando”; ao apreciar o sabor, como “apreciando, apreciando”; ao gostar do sabor, como “gostando, gostando”; ao engolir, como “engolindo, engolindo.”

Essa é uma ilustração da rotina de contemplação ao tomar cada bocado de comida até que a refeição esteja terminada. Neste caso também é difícil seguir todas as ações no início da prática. Haverá muitas omissões. Apesar disso, os meditadores não devem hesitar, mas, devem tentar prosseguir tanto quanto puderem. Com o gradual progresso na prática, será mais fácil notar muito mais objetos do que aqueles aqui mencionados.

As instruções para os exercícios práticos de meditação estão quase completas. Como elas foram explicadas em detalhe já há algum tempo, não será fácil lembrar de todas. Para facilitar a memória, será dado um breve sumário dos pontos essenciais e importantes.

Sumário dos Pontos Essenciais

Ao caminhar, o meditador deve contemplar os movimentos de cada passo. Ao caminhar depressa, cada passo deve ser notado como “direito, esquerdo” respectivamente. A mente deve estar fixada com atenção na sola dos pés, nos movimentos de cada passo. Ao caminhar vagarosamente, cada passo deve ser notado em duas partes como “levantando, abaixando.” Enquanto estiver sentado, o exercício usual de meditação deve ser feito notando os movimentos do abdômen como “expansão, contração, expansão, contração.” O mesmo tipo de contemplação de notar os movimentos como “expansão, contração, expansão, contração” deve ser feito enquanto estiver deitado.

Se for observado que a mente escapa durante o processo de notar a “expansão, contração,” não se deve permitir que ela continue perambulando e isso deve ser notado de imediato. Ao imaginar, isso deve ser notado como “imaginando, imaginando”; ao pensar, como “pensando, pensando”; a mente escapando, como “escapando, escapando”; e a mente ao chegar num lugar, como “chegando, chegando” e assim por diante para cada ocorrência e em seguida o exercício usual de notar a “expansão, contração” deve ser retomado.

Ao ocorrerem sensações de cansaço nas mãos, pernas ou outros membros, ou sensações de calor, formigamento, dor ou coceira, estas devem ser observadas e notadas como “cansaço,” “calor,” “formigamento,” “dor,” “coceira,” e assim por diante conforme for o caso. O exercício usual de notar a “expansão, contração” deverá em seguida ser retomado.

Ao ocorrerem as ações de curvar ou esticar as mãos ou pernas, ou mover o pescoço ou membros, ou inclinar o corpo para frente e para trás, estes devem ser observados na ordem seqüencial à medida que ocorrerem. O exercício usual de notar a “expansão, contração” deverá em seguida ser retomado.

Isto é apenas um resumo. Quaisquer outros objetos que devam ser contemplados durante o período de treinamento serão mencionados pelos instrutores durante a entrevista diária com os discípulos, quando são dadas as instruções de meditação.

Se a pessoa praticar da maneira indicada, o número de objetos aumentará gradualmente com o tempo. No início haverá muitas omissões, pois a mente está habituada a perambular sem qualquer tipo de restrição. No entanto, um meditador não deve desistir por isso. Esse tipo de dificuldade é muito comum no início da prática. Depois de algum tempo a mente não poderá se evadir porque sempre será descoberta cada vez que queira escapar. Assim, ela permanecerá fixa no objeto para o qual ela está dirigida.

Ao surgir um objeto a mente o registra e dessa forma o objeto e a mente coincidem. Com o desaparecimento do objeto a mente registra isso e dessa forma o objeto e a mente coincidem. Existe sempre um par, o objeto e a mente que conhece o objeto, a cada momento em que uma notação é feita. Esses dois elementos, o objeto e a mente que conhece, sempre surgem em pares, e, exceto por esses dois elementos, não existe nenhuma outra coisa sob a forma de uma pessoa ou eu. Essa realidade será compreendida pessoalmente no seu devido tempo.

O fato de que a materialidade e a mentalidade são duas coisas distintas, separadas, será percebido com clareza durante o processo de notar a “expansão, contração.” Os dois elementos de materialidade e mentalidade estão conectados em pares e o seu surgimento coincide, isto é, surgindo o processo de materialidade, surge junto o processo de mentalidade que o conhece. Ao desaparecer o processo de materialidade, desaparece junto o processo de mentalidade que o conhece. O mesmo acontece com o processo de levantar, mover, abaixar: esses são processos de materialidade que surgem e desaparecem junto com os processos de mentalidade que os conhece. Esse conhecimento da materialidade e da mentalidade surgindo separadamente é denominado nama-rupa-pariccheda-ñana, o conhecimento que discrimina mentalidade-materialidade. É o estágio preliminar em todo o processo de conhecimento meditativo. É importante desenvolver este estágio preliminar de maneira apropriada.

Dando continuidade à prática de meditação durante algum tempo, haverá progresso considerável na atenção plena e concentração. Nesse nível será percebido que a cada notação, cada processo surge e desaparece naquele exato momento. Mas, por outro lado, as pessoas sem instrução em geral consideram que o corpo e a mente continuam num estado permanente por toda a vida, que o mesmo corpo da infância cresceu até a idade adulta, que a mesma mente jovem cresceu até a maturidade e que ambos, o corpo e a mente, são um e a mesma pessoa. Na realidade, não é assim. Nada é permanente. Tudo surge por um momento e depois desaparece. Nada permanece imutável nem mesmo durante um piscar dos olhos. As mudanças ocorrem com muita rapidez e estas serão percebidas no seu devido tempo.

Ao praticar a meditação notando a “expansão, contração” e assim por diante, a pessoa irá perceber que esses processos surgem e desaparecem um após o outro em rápida sucessão. Ao perceber que tudo desaparece no ponto exato da notação, o meditador compreende que nada é permanente. O conhecimento relativo à natureza impermanente das coisas é aniccanupassana-ñana, o conhecimento meditativo da impermanência.

O meditador então compreende que esse estado de mudança constante é insatisfatório e não é algo que deva ser desejado. Isso é dukkhanupassana-ñana, o conhecimento meditativo do sofrimento. Ao sofrer com as muitas sensações dolorosas, este complexo de mente e corpo é visto como um mero aglomerado de sofrimento. Isto também é o conhecimento meditativo do sofrimento.

Neste ponto, ele percebe que os elementos da materialidade e mentalidade nunca obedecem aos desejos da pessoa, mas, surgem de acordo com a sua própria natureza e condições. Ao se ocupar com a notação desses processos, o meditador compreende que esses processos não são controláveis e que eles não são nem uma pessoa, nem uma entidade viva, nem um eu. Isto é anattanupassana-ñana, o conhecimento meditativo de não-eu.

Quando o meditador tiver completa compreensão do conhecimento da impermanência, sofrimento e não-eu, ele terá realizado Nibbana. Desde tempos imemoriais, Budas, Arahants e Ariyas (nobres) têm realizado Nibbana através deste método de vipassana. No caminho que realiza Nibbana, vipassana consiste de quatro satipatthana, aplicações ou fundamentos da atenção plena, e satipatthana é na verdade o caminho que realiza Nibbana.

Os meditadores que seguem este método de treinamento devem se lembrar que eles estão no caminho que já foi percorrido por Budas, Arahants e Ariyas. Esta oportunidade lhes é oferecida devido aos seus parami, isto é, os seus esforços anteriores buscando e desejando isso e também devido às condições de maturidade espiritual deles. Eles devem se alegrar por terem esta oportunidade. Eles devem também ter a certeza de que percorrendo este caminho sem hesitação, obterão a experiência pessoal da concentração e sabedoria altamente desenvolvidas, como anteriormente conhecidos pelos Budas, Arahants e Ariyas. Eles desenvolverão um estado de concentração tão puro como nunca conhecido antes e como resultado da concentração avançada irão desfrutar de muitos prazeres bem-aventurados.

A impermanência, sofrimento e não-eu serão compreendidos através da experiência pessoal direta, e com a completa compreensão desses conhecimentos, Nibbana será realizado. Não tardará muito para alcançar o objetivo, talvez um mês, ou vinte dias, ou quinze dias, ou, em ocasiões raras, até mesmo em sete dias para aqueles poucos com parami extraordinários.

Os meditadores devem, portanto, se dedicar à prática da meditação com toda seriedade e com plena confiança, acreditando que, com certeza, ela os conduzirá ao desenvolvimento dos nobres caminhos supramundanos e os seus frutos e à realização de Nibbana. Eles, assim, se verão livres do entendimento incorreto do eu e da dúvida, e não mais estarão sujeitos ao ciclo de renascimentos nos estados miseráveis dos infernos, reino animal e na esfera dos petas.

Que os meditadores sejam bem sucedidos nesse nobre esforço.

 


 

Nota: Veja também o MN 10 – Satipatthana Sutta

 

 

Revisado: 27 Novembro 2006

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