Majjhima Nikaya 133

Mahakaccanabhaddekaratta Sutta

Maha Kaccana e Uma Única Noite Excelente

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1. Assim ouvi. Em certa ocasião o Abençoado estava em Rajagaha no Parque das Termas Quentes. Então, quando estava próximo do amanhecer, o venerável Samiddhi foi até as termas quentes para se banhar. Depois do banho ele saiu da água e ficou em pé vestido com um manto, secando os membros. E assim, quando a noite estava bem avançada, um certo deva com belíssima aparência que iluminou toda a área das Termas Quentes, se aproximou do venerável Samiddhi. Ficando em pé a um lado, o deva disse:

2. “Bhikkhu, você se lembra do sumário e da análise ‘Daquele que teve Uma Única Noite Excelente’?”

“Amigo, eu não me lembro do sumário e da análise ‘Daquele que teve Uma Única Noite Excelente.’ Mas, amigo, você se lembra do sumário e da análise ‘Daquele que teve Uma Única Noite Excelente’?”

“Bhikkhu, eu também não me lembro do sumário e da análise ‘Daquele que teve Uma Única Noite Excelente.’ Mas, bhikkhu, você se lembra dos versos ‘Daquele que teve Uma Única Noite Excelente’?”

“Amigo, eu não me lembro dos versos ‘Daquele que teve Uma Única Noite Excelente.’ Mas, amigo, você se lembra dos versos ‘Daquele que teve Uma Única Noite Excelente’?”

“Bhikkhu, eu também não me lembro dos versos ‘Daquele que teve Uma Única Noite Excelente.’ Mas, bhikkhu, aprenda o sumário e a análise ‘Daquele que teve Uma Única Noite Excelente.’ Bhikkhu, obtenha proficiência no sumário e na análise ‘Daquele que teve Uma Única Noite Excelente.’ Bhikkhu, lembre-se do sumário e da análise ‘Daquele que teve Uma Única Noite Excelente.’ Bhikkhu, o sumário e a análise ‘Daquele que teve Uma Única Noite Excelente’ traz benefício, faz parte dos fundamentos da vida santa.”

Isso foi o que o deva disse e em seguida desapareceu de vez.

3. Então, ao amanhecer, o venerável Samiddhi foi até o Abençoado. Depois de cumprimentá-lo, ele sentou a um lado e relatou ao Abençoado tudo que havia ocorrido, e disse: “Seria bom, venerável senhor, se o Abençoado me ensinasse o sumário e a análise ‘Daquele que teve Uma Única Noite Excelente.’”

4. “Então, bhikkhu, ouça e preste muita atenção àquilo que eu vou dizer.” – “Sim, venerável senhor,” o venerável Samiddhi respondeu. O Abençoado disse o seguinte:

5. “Que ninguém reviva o passado
ou no futuro coloque as suas esperanças;
pois o passado foi deixado para trás
e o futuro ainda não foi alcançado.
Ao invés disso, que ele veja com insight
cada estado surgido no presente;
que ele compreenda isso e tenha certeza disso,
invencível, inabalável.
Hoje o esforço tem que ser feito;
amanhã a Morte poderá vir, quem sabe?
Não há barganha com a Mortalidade
que a mantenha, com a sua horda, fora disso,
mas aquele que permanece assim ardente,
decidido, durante o dia, durante a noite -
é ele, disse o Sábio em Paz;
que teve uma única noite excelente.

6. Isso foi o que o Abençoado disse. Tendo dito isso, ele levantou do seu assento e foi para a sua moradia.

7. Então, pouco tempo depois do Abençoado ter partido, os bhikkhus consideraram: [1] “Agora, amigos, o Abençoado se levantou do seu assento e foi para a sua moradia depois de expor um sumário sem analisar o seu significado em detalhe. Agora, quem irá analisar o significado em detalhe?” Então eles consideraram: “O venerável Maha Kaccana é elogiado pelo Mestre e estimado pelos seus sábios companheiros da vida santa. Ele é capaz de analisar o significado em detalhe. E se fôssemos até ele e pedíssemos a explicação do significado disso.”

8. Então os bhikkhus foram até o venerável Maha Kaccana e o cumprimentaram. Quando a conversa cortês e amigável havia terminado, eles se sentaram num lado e contaram o que havia acontecido, adicionando: "Que o venerável Maha Kaccana nos explique isso."

9. [O venerável Maha Kaccana respondeu:] “Amigos, é como se um homem que precisa de madeira, procurasse madeira, perambulasse em busca de madeira, pensasse que a madeira deveria ser procurada entre os galhos e as folhas de uma grande árvore que possui madeira, depois de haver passado por cima da sua raiz e tronco. O mesmo ocorre com vocês, veneráveis senhores, que pensam que eu deva ser perguntado sobre o significado disso, depois de terem passado pelo Abençoado, estando cara a cara com o Mestre. Pois, conhecer, o Abençoado conhece; ver, ele vê; ele é visão, ele é conhecimento, ele é o Dhamma, ele é o sagrado; ele é o que diz, o que proclama, o que elucida o significado, o que provê o imortal, o senhor do Dhamma, o Tathagata. Aquele foi o momento quando vocês deveriam ter perguntado ao Abençoado o significado. Aquilo que ele dissesse vocês deveriam se lembrar.”

10. “Certamente, amigo Kaccana, conhecer, o Abençoado conhece; ver, ele vê; ele é visão … o Tathagata. Aquele foi o momento quando nós deveríamos ter perguntado ao Abençoado o significado. Aquilo que ele nos dissesse nós deveríamos nos lembrar. No entanto, o venerável Maha Kaccana é elogiado pelo Mestre e estimado pelos seus sábios companheiros da vida santa. O venerável Maha Kaccana é capaz de expor o significado, em detalhe, desse sumário dito pelo Abençoado. Que o venerável Maha Kaccana possa expor isso, sem que isso seja um problema.”

11. “Então, amigos, ouçam e prestem muita atenção àquilo que eu vou dizer.” – “Sim, amigo,” os bhikkhus responderam. O venerável Maha Kaccana disse o seguinte:

12. “Amigos, quando o Abençoado se levantou do seu assento e foi para a sua moradia depois de expor um sumário sem analisar o seu significado em detalhe, isto é: :

‘Que ninguém reviva o passado ...
que teve uma única noite excelente,’

eu entendo que o significado em detalhe é o seguinte:

13. “Como, amigos, uma pessoa revive o passado? Pensando, ‘Meu olho e as formas eram assim no passado,’ [2] a consciência dela fica atada pelo desejo e cobiça por aquilo. Devido à consciência dela estar atada pelo desejo e cobiça, a pessoa se delicia com aquilo. Quando ela se delicia com aquilo, ela revive o passado.

Pensando, ‘Meu ouvido e os sons eram assim no passado ... Meu nariz e os aromas ... Minha língua e os sabores ... Meu corpo e os tangíveis ... Minha mente e os objetos mentais eram assim no passado,’ a consciência dela fica atada pelo desejo e cobiça por aquilo. Devido à consciência dela estar atada pelo desejo e cobiça, a pessoa se delicia com aquilo. Quando ela se delicia com aquilo, ela revive o passado.

14. “Como uma pessoa não revive o passado? Pensando, ‘Meu olho e as formas eram assim no passado,’ a consciência dela não fica atada pelo desejo e cobiça por aquilo. Devido à consciência dela não estar atada pelo desejo e cobiça, a pessoa não se delicia com aquilo. Quando ela não se delicia com aquilo, ela não revive o passado.

Pensando, ‘Meu ouvido e os sons eram assim no passado ... Meu nariz e os aromas ... Minha língua e os sabores ... Meu corpo e os tangíveis ... Minha mente e os objetos mentais eram assim no passado,’ a consciência dela não fica atada pelo desejo e cobiça por aquilo. Devido à consciência dela não estar atada pelo desejo e cobiça, a pessoa não se delicia com aquilo. Quando ela não se delicia com aquilo, ela não revive o passado.

15. “E como, amigos, uma pessoa coloca as suas esperanças no futuro? Pensando, ‘Que meu olho e as formas sejam assim no futuro,’ ela empenha o seu coração em obter aquilo que ainda não foi alcançado. Como ela assim empenha o seu coração, ela se delicia com aquilo. Quando ela se delicia com aquilo, ela coloca as suas esperanças no futuro.

Pensando, ‘Que meu ouvido e os sons sejam assim no futuro ... Meu nariz e os aromas ... Minha língua e os sabores ... Meu corpo e os tangíveis ... Minha mente e os objetos mentais sejam assim no futuro,’ ela empenha o seu coração em obter aquilo que ainda não foi alcançado. Como ela assim empenha o seu coração, ela se delicia com aquilo. Quando ela se delicia com aquilo, ela coloca as suas esperanças no futuro.

16. “E como, amigos, uma pessoa não coloca as suas esperanças no futuro? Pensando, ‘Que meu olho e as formas sejam assim no futuro,’ ela não empenha o seu coração em obter aquilo que ainda não foi alcançado. Como ela assim não empenha o seu coração, ela não se delicia com aquilo. Quando ela não se delicia com aquilo, ela não coloca as suas esperanças no futuro.

Pensando, ‘Que meu ouvido e os sons sejam assim no futuro ... Meu nariz e os aromas ... Minha língua e os sabores ... Meu corpo e os tangíveis ... Minha mente e os objetos mentais sejam assim no futuro,’ ela não empenha o seu coração em obter aquilo que ainda não foi alcançado. Como ela assim não empenha o seu coração, ela não se delicia com aquilo. Quando ela não se delicia com aquilo, ela não coloca as suas esperanças no futuro.

17. “E como, bhikkhus, uma pessoa é derrotada em relação aos estados que tenham surgido no presente? Em relação ao olho e às formas que surgem no presente, a consciência dela fica atada pelo desejo e cobiça por aquilo que surge no presente. Devido à consciência dela estar atada pelo desejo e cobiça, a pessoa se delicia com aquilo. Quando ela se delicia com aquilo, ela é derrotada em relação aos estados que tenham surgido no presente.

Em relação ao ouvido e aos sons que surgem no presente ... ao nariz e aos aromas ... à língua e aos sabores ... ao corpo e aos tangíveis ... à mente e aos objetos mentais que surgem no presente, a consciência dela fica atada pelo desejo e cobiça por aquilo que surge no presente. Devido à consciência dela estar atada pelo desejo e cobiça, a pessoa se delicia com aquilo. Quando ela se delicia com aquilo, ela é derrotada em relação aos estados que tenham surgido no presente.

18. “E como uma pessoa é invencível em relação aos estados surgidos no presente? Em relação ao olho e às formas que surgem no presente, a consciência dela não fica atada pelo desejo e cobiça por aquilo que surge no presente. Devido à consciência dela não estar atada pelo desejo e cobiça, a pessoa não se delicia com aquilo. Quando ela não se delicia com aquilo, ela é invencível em relação aos estados que tenham surgido no presente.

Em relação ao ouvido e aos sons que surgem no presente ... ao nariz e aos aromas ... à língua e aos sabores ... ao corpo e aos tangíveis ... à mente e aos objetos mentais que surgem no presente, a consciência dela não fica atada pelo desejo e cobiça por aquilo que surge no presente. Devido à consciência dela não estar atada pelo desejo e cobiça, a pessoa não se delicia com aquilo. Quando ela não se delicia com aquilo, ela é invencível em relação aos estados que tenham surgido no presente.

19. “Amigos, quando o Abençoado se levantou do seu assento e foi para a sua moradia depois de expor um sumário sem analisar o seu significado em detalhe, isto é:

‘Que ninguém reviva o passado ...
que teve uma única noite excelente,’

é assim como eu entendo o significado em detalhe. Agora, amigos, se vocês quiserem, podem ir até o Abençoado perguntar-lhe qual o significado disso. Exatamente aquilo que o Abençoado explicar é o que vocês deverão se lembrar.”

20. Então os bhikkhus, tendo se alegrado e se deliciado com as palavras do venerável Maha Kaccana, levantaram dos seus assentos e foram até o Abençoado. Após homenageá-lo, eles sentaram a um lado e relataram ao Abençoado aquilo que havia ocorrido depois que ele havia partido, adicionando o seguinte: “Então, venerável senhor, fomos até o venerável Maha Kaccana e lhe perguntamos sobre o significado. O venerável Maha Kaccana nos explicou o significado com estes termos, afirmações e frases.”

21. “Maha Kaccana é sábio, bhikkhus, Maha Kaccana possui muita sabedoria. Se vocês me tivessem perguntado o significado, eu teria explicado da mesma forma que Maha Kaccana explicou. Esse é o significado e é assim como vocês deverão se lembrar.”

Isso foi o que disse o Abençoado. Os bhikkhus ficaram satisfeitos e contentes com as palavras do Abençoado.

 


 

Notas:

[1] Até o verso 12, igual ao MN 18.10-15. [Retorna]

[2] MA: Nos dois suttas anteriores e no seguinte o Buda elaborou o esboço e a análise por meio dos cinco agregados, mas aqui o esboço foi feito para ser analisado por meio das doze bases dos sentidos. Compreendendo a intenção do Buda, o Ven. Maha Kaccana assim falou, e devido à sua habilidade em compreender o método mesmo quando este não é mostrado de forma explícita, o Buda o nomeou como o principal discípulo para explicar em detalhe um ensinamento transmitido de forma resumida. [Retorna]

 

 

Revisado: 21 Dezembro 2006

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