Majjhima Nikaya 22

Alagaddupama Sutta

O Símile da Cobra

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(Ambiente)

1. Assim ouvi.[1] Em certa ocasião o Abençoado estava em Savathi, no Bosque de Jeta, no Parque de Anathapindika.

2. Agora, naquela ocasião uma idéia perniciosa havia surgido na mente de um bhikkhu chamado Arittha, que antes havia sido um matador de abutres: “Da forma como eu entendo o Dhamma ensinado pelo Abençoado, aquelas coisas que o Abençoado chama de obstruções não são capazes de obstruir alguém que se ocupa com elas.”[2]

3. Muitos bhikkhus, tendo ouvido isso, foram até o bhikkhu Arittha e perguntaram: “Amigo Arittha, é verdade que essa idéia perniciosa surgiu na sua mente?

“Exatamente, amigos. Da forma como eu entendo o Dhamma ensinado pelo Abençoado, aquelas coisas que o Abençoado chama de obstruções não são capazes de obstruir alguém que se ocupa com elas.”

Então aqueles bhikkhus, desejando que ele deixasse de lado aquela idéia perniciosa, o pressionaram, questionaram e examinaram desta forma: “Amigo Arittha, não diga isto. Não deturpe o Abençoado; não é bom deturpar o Abençoado. O Abençoado não falaria dessa forma. Pois, em muitos discursos o Abençoado declarou como as coisas obstrutivas são obstruções, e como elas são capazes de obstruir quem se ocupa com elas. O Abençoado declarou que os prazeres sensuais proporcionam pouca gratificação, muito sofrimento, muito desespero e quanto perigo eles contêm. Com o símile do osso ... com o símile do pedaço de carne ... com o símile da tocha de capim ... com o símile da cova de carvão em brasa ... com o símile dos sonhos ... com o símile das mercadorias emprestadas ... com o símile da árvore carregada de frutos ... com o símile do matadouro ... com o símile da espada ... com o símile da cabeça da cobra, o Abençoado declarou como os prazeres sensuais proporcionam pouca gratificação, muito sofrimento, muito desespero e quanto perigo eles contêm.[3]

Apesar disso, mesmo tendo sido pressionado, questionado e examinado por eles desta forma, o bhikkhu Arittha, anteriormente um matador de abutres, ainda assim, obstinadamente manteve a sua idéia perniciosa e continuou insistindo nela.

4. Visto que os bhikkhus foram incapazes de fazer com que ele se separasse dessa idéia perniciosa, eles se dirigiram até o Abençoado e depois de cumprimentá-lo sentaram a um lado e relataram o que havia ocorrido, adicionando: “Venerável senhor, visto que fomos incapazes de fazer com que o bhikkhu Arittha, anteriormente um matador de abutres, se separasse dessa idéia perniciosa, nós estamos reportando este assunto ao Abençoado.”

5. Então o Abençoado se dirigiu a um certo bhikkhu desta forma: “Venha, bhikkhu, diga em meu nome, ao bhikkhu Arittha, anteriormente um matador de abutres, que o Mestre o chama.” “Sim, venerável senhor,” ele respondeu e foi até o bhikkhu Arittha e lhe disse: “O Mestre o chama, amigo Arittha.”

“Sim, Amigo,” ele respondeu, e foi até o Abençoado e após cumprimentá-lo sentou a um lado. O Abençoado então lhe perguntou: “Arittha, é verdade que a seguinte idéia perniciosa surgiu em você: ‘Da forma como eu entendo o Dhamma ensinado pelo Abençoado, aquelas coisas que o Abençoado chama de obstruções não são capazes de obstruir alguém que se ocupa com elas?’

“Exatamente isso, venerável senhor. Da forma como eu entendo o Dhamma ensinado pelo Abençoado, aquelas coisas que o Abençoado chama de obstruções não são capazes de obstruir alguém que se ocupa com elas.”

6. “Homem tolo, para quem você me viu ensinar o Dhamma dessa forma? Homem tolo, em muitos discursos eu não declarei como as coisas obstrutivas são obstruções, e como elas são capazes de obstruir quem se ocupa com elas? Eu declarei que os prazeres sensuais proporcionam pouca gratificação, muito sofrimento, muito desespero e quanto perigo eles contêm. Com o símile do osso ... com o símile do pedaço de carne ... com o símile da tocha de capim ... com o símile da cova de carvão em brasa ... com o símile dos sonhos ... com o símile das mercadorias emprestadas ... com o símile da árvore carregada de frutos ... com o símile do matadouro ... com o símile da espada ... com o símile da cabeça da cobra, eu declarei que os prazeres sensuais proporcionam pouca gratificação, muito sofrimento e muito desespero e quanto perigo eles contêm. Mas você, homem tolo, nos deturpou com o seu entendimento incorreto, causou prejuízo para si mesmo e acumulou muito demérito; pois isto lhe causará dano e sofrimento por um longo tempo.” [4]

7. Então o Abençoado se dirigiu aos bhikkhus desta forma: “Bhikkhus, o que vocês pensam? Este bhikkhu Arittha, anteriormente um matador de abutres, proporcionou algum lampejo de sabedoria para este Dhamma e Disciplina?

“Como poderia ele, venerável senhor? Não, venerável senhor.”

Quando isto foi dito, o bhikkhu Arittha, anteriormente um matador de abutres, permaneceu sentado em silêncio, consternado, com os ombros caídos e a cabeça baixa, deprimido e sem resposta. Então, vendo isso, o Abençoado lhe disse: “Homem tolo, você será reconhecido por sua própria idéia perniciosa. Eu questionarei os bhikkhus sobre este assunto.”

8. Então o Abençoado se dirigiu aos bhikkhus desta forma: “Bhikkhus, vocês compreendem o Dhamma que eu ensino da mesma forma como este bhikkhu Arittha compreende, deturpando-nos com o seu entendimento incorreto e causando dano para si mesmo e acumulando muito demérito?”

“Não, venerável senhor. Pois em muitos discursos o Abençoado declarou como as coisas obstrutivas são obstruções, e como elas são capazes de obstruir quem se ocupa com elas. O Abençoado declarou que os prazeres sensuais proporcionam pouca gratificação, muito sofrimento, muito desespero e quanto perigo eles contêm. Com o símile do osso ... com o símile da cabeça da cobra, o Abençoado declarou .... quanto perigo eles contêm.”

“Muito bem bhikkhus. É bom que vocês compreendam dessa forma o Dhamma que eu ensino. Pois em muitos discursos eu declarei como as coisas obstrutivas são obstruções, e como elas são capazes de obstruir quem se ocupa com elas. Eu declarei que os prazeres sensuais proporcionam pouca gratificação, muito sofrimento, muito desespero e quanto perigo eles contêm. Com o símile do osso ... com o símile da cabeça da cobra, eu declarei quanto perigo eles contêm. Mas este bhikkhu Arittha nos deturpa com o seu entendimento incorreto e causa prejuízo para si mesmo e acumula muito demérito; pois isso levará esse homem tolo ao dano e sofrimento por um longo tempo.

9. “Bhikkhus, que alguém possa se ocupar com prazeres sensuais sem ter desejos sensuais, sem a percepção de desejos sensuais, sem pensamentos de desejos sensuais – isso é impossível. [5]

(O Símile da Cobra)

10. “Aqui bhikkhus, homens tolos aprendem o Dhamma – sumários, prosa e verso, análises, versos, exclamações, símiles, histórias de vidas passadas, eventos maravilhosos, perguntas e respostas – mas tendo aprendido o Dhamma, eles não examinam o significado desses ensinamentos com sabedoria. Não examinando o significado desses ensinamentos com sabedoria, eles não os aceitam através da reflexão. Ao invés disso eles aprendem o Dhamma somente com o propósito de criticar os outros e de se saírem vitoriosos em discussões e eles não experimentam o benefício pelo qual aprenderam o Dhamma. Esses ensinamentos, tendo sido apreendidos por eles da forma incorreta, conduzem ao dano e sofrimento por muito tempo. [6]

“Suponham um homem que precisa de uma cobra, procura uma cobra, perambula em busca de uma cobra, vê uma cobra grande e agarra o seu tronco ou a sua cauda. Ela o ataca e morde a sua mão, braço, ou algum outro membro e por causa disso ele irá morrer ou ter um sofrimento igual à morte. Por que isso? Porque ele apreendeu a cobra da maneira incorreta. Da mesma forma, homens tolos aprendem o Dhamma ... Esses ensinamentos, tendo sido apreendidos por eles da forma incorreta, conduzem ao dano e sofrimento por muito tempo.

11. “Aqui bhikkhus, alguns membros de um clã aprendem o Dhamma – sumários ... perguntas e respostas – e tendo aprendido o Dhamma, eles examinam o significado desses ensinamentos com sabedoria. Examinando o significado desses ensinamentos com sabedoria, eles os aceitam através da reflexão. Eles não aprendem o Dhamma com o propósito de criticar os outros e de se saírem vitoriosos em discussões, eles experimentam o benefício pelo qual aprenderam o Dhamma. Esses ensinamentos, tendo sido apreendidos da forma correta, conduzem ao benefício e felicidade por muito tempo.

“Suponham um homem que precisa de uma cobra, procura uma cobra, perambula em busca de uma cobra, vê uma cobra grande e a agarra da forma correta com uma forquilha e tendo feito isso a agarra da forma correta pelo pescoço. Então, embora a cobra enrole o seu tronco em volta da sua mão, braço, ou algum outro membro, ele não irá morrer ou ter um sofrimento igual à morte. Por que isso? Porque ele apreendeu a cobra da maneira correta. Da mesma forma, membros de um clã aprendem o Dhamma ... Esses ensinamentos, tendo sido apreendidos da forma correta, conduzem ao benefício e felicidade por muito tempo.

12. Portanto bhikkhus, quando vocês entenderem o significado dos meus enunciados, lembrem-se deles da forma correta; e quando vocês não entenderem o significado dos meus enunciados, então perguntem a mim ou aos bhikkhus que são sábios.

(O Símile da Balsa)

13. “Bhikkhus, eu lhes mostrarei que o Dhamma é semelhante a uma balsa, existindo para o propósito de cruzar (a torrente) e não para que vocês se agarrem a ele. [7] Ouçam e prestem bastante atenção àquilo que vou dizer”. – “Sim, venerável senhor,” os bhikkhus responderam. O Abençoado disse o seguinte:

“Bhikkhus, suponham que um homem, no transcurso de uma viagem, visse uma grande extensão d’água, cuja margem mais próxima fosse perigosa e aterrorizante e cuja margem mais distante fosse segura e livre de terror mas que não houvesse uma balsa ou ponte que levasse até a margem mais distante. Então ele pensaria: ‘Ali está essa grande extensão de água, cuja margem mais próxima é perigosa e aterrorizante e cuja margem mais distante é segura e livre de terror mas não há uma balsa ou ponte que leve até a margem mais distante. E se eu juntasse capim, gravetos, galhos e folhas e os amarrasse juntos para fazer uma balsa e suportado pela balsa, fazendo um esforço com as minhas mãos e pés, eu atravessasse com segurança até a margem mais distante.’ E então o homem juntou capim, gravetos, galhos e folhas e os amarrou juntos para fazer uma balsa e suportado pela balsa, fazendo um esforço com as mãos e pés, atravessou com segurança até a margem mais distante. Então, tendo cruzado e chegado na margem mais distante, ele poderia pensar da seguinte forma: ‘Esta balsa me foi muito útil, já que suportado por ela e fazendo um esforço com as minhas mãos e pés, atravessei com segurança até a margem mais distante. E se eu a levantasse sobre a minha cabeça ou a colocasse sobre o meu ombro e depois fosse aonde quisesse.’ Agora bhikkhus, o que vocês pensam? Agindo assim, esse homem estaria fazendo aquilo que deve ser feito com essa balsa?”

“Não, venerável senhor.”

“Agindo de que forma esse homem estaria fazendo aquilo que deve ser feito com a balsa? Nesse caso, bhikkhus, quando aquele homem tivesse cruzado e chegado na margem mais distante ele pensaria desta forma: ‘Esta balsa me foi muito útil, já que suportado por ela e fazendo um esforço com as minhas mãos e pés, atravessei com segurança até a margem mais distante. E se eu a carregasse até a terra firme ou a deixasse solta na água e depois fosse aonde quisesse.’ Agora bhikkhus, é agindo dessa forma que esse homem estaria fazendo o que deve ser feito com a balsa. Dessa forma eu lhes mostrei como o Dhamma é semelhante a uma balsa, existindo com o propósito de cruzar (a torrente) e não para que vocês se agarrem a ele.

14. “Bhikkhus, quando compreenderem que o Dhamma é semelhante a uma balsa, vocês devem abandonar até mesmo os bons estados, o que não dizer dos estados ruins.[8]

(Pontos de Vista)

15. “Bhikkhus, existem esses seis pontos de vista. [9] Quais seis? Aqui bhikkhus uma pessoa comum sem instrução, que não respeita os nobres, que não é proficiente nem treinada no Dhamma deles, que não respeita os homens verdadeiros, que não é proficiente nem treinada no Dhamma deles, considera a forma material da seguinte forma: ‘Isso é meu, isso sou eu, isso é o meu eu’.[10] Ele considera as sensações da seguinte forma: ‘Isso é meu, isso sou eu, isso é o meu eu’. Ele considera as percepções da seguinte forma: ‘Isso é meu, isso sou eu, isso é o meu eu’. Ele considera as formações volitivas da seguinte forma: ‘Isso é meu, isso sou eu, isso é o meu eu’. Ele considera aquilo que é visto, ouvido, sentido, conscientizado, buscado, procurado, ponderado pela mente da seguinte forma: ‘Isso é meu, isso sou eu, isso é o meu eu’. [11] E este ponto de vista, isto é, ‘Aquilo que é o eu, é o mundo; após a morte eu serei permanente, durarei para sempre, eternamente, não estarei sujeito à mudança; eu durarei tanto quanto a eternidade’ – isso também ele considera da seguinte forma: ‘Isso é meu, isso sou eu, isso é o meu eu.’[12]

16. Bhikkhus, um nobre discípulo bem instruído, que respeita os nobres, que é proficiente e disciplinado no Dhamma deles, que respeita os homens verdadeiros, que é proficiente e disciplinado no Dhamma deles, considera a forma material da seguinte forma: ‘Isso não é meu, isso não sou eu, isso não é o meu eu’. Ele considera as sensações da seguinte forma: ‘Isso não é meu, isso não sou eu, isso não é o meu eu’. Ele considera as percepções da seguinte forma: ‘Isso não é meu, isso não sou eu, isso não é o meu eu’. Ele considera as formações volitivas da seguinte forma: ‘Isso não é meu, isso não sou eu, isso não é o meu eu’. Ele considera aquilo que é visto, ouvido, sentido, conscientizado, buscado, procurado, ponderado pela mente da seguinte forma: ‘Isso não é meu, isso não sou eu, isso não é o meu eu’. E esse ponto de vista: ‘Aquilo que é o eu, é o mundo; após a morte eu serei permanente, durarei para sempre, eternamente, não estarei sujeito à mudança; eu durarei tanto quanto a eternidade’ – isso também ele considera da seguinte forma: ‘Isso não é meu, isso não sou eu, isso não é o meu eu.’

17. “Visto que ele os considera dessa forma, ele não fica agitado por aquilo que não existe.” [13]

(Agitação)

18. Quando isso foi dito, um certo bhikkhu perguntou ao Abençoado: “Venerável senhor, pode haver agitação por algo que não existe externamente?”

“Pode haver, bhikkhu,” o Abençoado disse. “Aqui, bhikkhu, alguém pensa desta forma: ‘Ah, eu o tinha! Ah, eu não o tenho mais! Ah, que eu possa tê-lo! Ah, eu não consigo!’ Então ele fica triste, angustiado e lamenta, ele chora batendo no peito e fica perturbado. Assim é como existe agitação por algo que não existe externamente.”

19. “Venerável senhor, pode não haver agitação por algo que não existe externamente?”

“Pode haver, bhikkhu,” o Abençoado disse. “Aqui, bhikkhu, alguém não pensa desta forma: ‘Ah, eu o tinha! Ah, eu não o tenho mais! Ah, que eu possa tê-lo! Ah, eu não consigo!’ Então ele não fica triste, não fica angustiado e não lamenta, ele não chora batendo no peito e não fica perturbado. Assim é como não existe agitação por algo que não existe externamente.”

20. “Venerável senhor, pode haver agitação por algo que não existe internamente?”

“Pode haver, bhikkhu,” o Abençoado disse. “Aqui, bhikkhu, alguém pensa desta forma: ‘Aquilo que é o eu, é o mundo; após a morte serei permanente, durarei para sempre, eternamente, não estarei sujeito à mudança; durarei tanto quanto a eternidade.’ Ele ouve o Tathagata ou um discípulo do Tathagata ensinar o Dhamma para a eliminação de todos os pontos de vista, decisões, obsessões, adesões, tendências, para silenciar todas as formações, para abandonar todas as aquisições, para a destruição do desejo, para o desapego, para a cessação, para Nibbana. Ele pensa desta forma: ‘Portanto, eu devo ser aniquilado! Portanto, eu devo perecer! Portanto, eu não existirei mais!’ Então ele fica triste, angustiado e lamenta, ele chora batendo no peito e fica perturbado. Assim é como existe agitação por algo que não existe internamente.”

21. “Venerável senhor, pode não haver agitação por algo que não existe internamente?”

“Pode haver, bhikkhu,” o Abençoado disse. “Aqui, bhikkhu, alguém não pensa desta forma: ‘Aquilo que é o eu, é o mundo ... eu durarei tanto quanto a eternidade.’ Ele ouve o Tathagata ou um discípulo do Tathagata ensinar o Dhamma para a eliminação de todos os pontos de vista, decisões, obsessões, adesões, tendências, para silenciar todas as formações, para abandonar todas as aquisições, para a destruição do desejo, para o desapego, para a cessação, para Nibbana. Ele não pensa desta forma: ‘Portanto, eu devo ser aniquilado! Portanto, eu devo perecer! Portanto, eu não existirei mais!’ Então ele não fica triste, não fica angustiado e não lamenta, ele não chora batendo no peito e não fica perturbado. Assim é como não existe agitação por algo que não existe internamente.”

(Impermanência e Não-eu)

22. “Bhikkhus, vocês podem muito bem tomar algo como permanente, duradouro, eterno, não sujeito à mudança, durando tanto quanto a eternidade.[14] Mas vocês conseguem ver algo desse tipo, bhikkhus? – “Não venerável senhor.” – “Muito bem bhikkhus. Eu também não consigo ver nada permanente, duradouro, eterno, não sujeito à mudança, durando tanto quanto a eternidade.

23. “Bhikkhus, vocês podem muito bem se agarrar a uma doutrina de um eu que não faça surgir a tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero naquele que nela se agarre. [15] Mas vocês conseguem ver alguma doutrina de um eu como essa bhikkhus?” – “Não venerável senhor.” – “Muito bem bhikkhus. Eu também não consigo ver uma doutrina de um eu que não faça surgir a tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero naquele que nela se agarre.

24. “Bhikkhus, vocês podem muito bem se apoiar numa idéia que não faça surgir a tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero naquele que a tome como apoio.[16] Mas vocês conseguem ver alguma idéia para se apoiar bhikkhus?” – “Não venerável senhor.” – “Muito bem bhikkhus. Eu também não consigo ver nenhuma idéia que não faça surgir a tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero naquele que a tome como apoio.

25. “Bhikkhus, existindo um eu, haveria aquilo que pertence ao eu?”[17] - “Sim, venerável senhor.” – “Ou, havendo aquilo que pertence a um eu, existiria o eu?” – “Sim, venerável senhor.” – “Bhikkhus, visto que um eu e aquilo que pertence a um eu não são encontrados como verdadeiros e estabelecidos, então este ponto de vista: ‘Aquilo que é o eu, é o mundo; após a morte serei permanente, durarei para sempre, eternamente, não estarei sujeito à mudança; durarei tanto quanto a eternidade’ – não seria um ensinamento absolutamente e completamente tolo?”

“O que mais poderia ser, venerável senhor? Seria um ensinamento absolutamente e completamente tolo.”

26. “Bhikkhus, o que vocês pensam? A forma material é permanente ou impermanente?” – “Impermanente, venerável senhor.” – “Aquilo que é impermanente é sofrimento ou felicidade?” – “Sofrimento, venerável senhor.” – “Aquilo que é impermanente, sofrimento e sujeito à mudança, é correto que seja assim considerado: ‘Isso é meu, isso sou eu, isso é o meu eu?” – “Não, venerável senhor.”

“Bhikkhus, o que vocês pensam? A sensação ... percepção ... as formações volitivas ... a consciência são permanentes ou impermanentes?” – “Impermanentes, venerável senhor.” – “Aquilo que é impermanente é sofrimento ou felicidade?” – “Sofrimento, venerável senhor.” – “Aquilo que é impermanente, sofrimento e sujeito à mudança, é correto que seja assim considerado: ‘Isso é meu, isso sou eu, isso é o meu eu?” – “Não, venerável senhor.”

27. “Então bhikkhus, qualquer tipo de forma material ... sensação ... percepção ... formações volitivas ... consciência, quer seja do passado, futuro ou presente, interna ou externa, grosseira ou sutil, inferior ou superior, próxima ou distante, toda forma material deve ser vista como na verdade ela é, com a correta sabedoria, assim: ‘Isso não é meu, isso não sou eu, isso não é o meu eu.’

28. “Vendo dessa forma bhikkhus, um nobre discípulo bem instruído se desencanta da forma material, se desencanta da sensação, se desencanta da percepção, se desencanta das formações volitivas, se desencanta da consciência.

29. “Desencantado, ele se torna desapegado. Através do desapego a sua mente é libertada.[18] Quando ela está libertada surge o conhecimento: ‘Libertada.’ Ele compreende que: ‘O nascimento foi destruido, a vida santa foi vivida, o que deveria ser feito foi feito, não há mais vir a ser a nenhum estado.’

(O Arahant)

30. “Bhikkhus, este bhikkhu é aquele cuja haste foi levantada, cuja vala foi preenchida, cujo pilar foi desenraizado, aquele que não possui ferrolho, um nobre cuja bandeira está abaixada, cujo fardo foi deposto, aquele que não está aprisionado.

31. “E como é o bhikkhu, aquele cuja haste foi levantada? Aqui, o bhikkhu abandonou a ignorância, cortou-a pela raiz, fez como com um tronco de palmeira eliminando-a de tal forma que não estará mais sujeita a um futuro surgimento. Assim é o bhikkhu, aquele cuja haste foi levantada.

32. “E como é o bhikkhu, aquele cuja vala foi preenchida? Aqui, o bhikkhu abandonou o ciclo de renascimentos que traz a renovação do ser/existir, cortou-o pela raiz ... não estará mais sujeito a um futuro surgimento. Assim é o bhikkhu, aquele cuja vala foi preenchida.

33. “E como é o bhikkhu, aquele cujo pilar foi desenraizado? Aqui, o bhikkhu abandonou o desejo, cortou-o pela raiz ... não estará mais sujeito a um futuro surgimento. Assim é o bhikkhu, aquele cujo pilar foi desenraizado.

34. “E como é o bhikkhu, aquele que não possui ferrolho? Aqui o bhikkhu abandonou os cinco primeiros grilhões, cortou-os pela raiz ... não estará mais sujeito a um futuro surgimento. Assim é o bhikkhu, aquele que não possui barreiras.

35. “E como é o bhikkhu, que é um nobre, cuja bandeira está abaixada, cujo fardo foi deposto, que não está aprisionado? Aqui, o bhikkhu abandonou a presunção ‘Eu sou’, cortou-a pela raiz ... não estará mais sujeito a um futuro surgimento. Assim é o bhikkhu, que é um nobre, cuja bandeira está abaixada, cujo fardo foi deposto, que não está aprisionado.

36. “Bhikkhus, quando os devas com Indra, Brahma e Pajapati procuram um bhikkhu que tenha a mente libertada, eles nada encontram: ‘A consciência daquele assim ido é suportada por isso.’ Por que? Aquele assim ido, eu digo, não deixa um rastro no aqui e agora.[19]

(Deturpação do Tathagata)

37. “Assim dizendo, bhikkhus, assim proclamando, fui deturpado por alguns contemplativos e brâmanes, sem fundamento, por vaidade, de maneira falsa e incorreta, desta forma: ‘O contemplativo Gotama conduz por caminhos errados; ele ensina a aniquilação, a destruição, a exterminação de um ser existente.[20] Como não sou, como não proclamo, então fui deturpado por alguns contemplativos e brâmanes, sem fundamento, por vaidade, de maneira falsa e incorreta, desta forma: ‘O contemplativo Gotama conduz por caminhos errados; ele ensina a aniquilação, a destruição, a exterminação de um ser existente.’

38. “Bhikkhus, tanto antes como agora o que eu ensino é o sofrimento e a cessação do sofrimento.[21] Se alguém insulta, ofende, xinga e molesta o Tathagata, por conta disso o Tathagata não sente nenhuma contrariedade, amargura ou tristeza no seu coração. E se alguém honra, respeita, reverencia e venera o Tathagata, por conta disso o Tathagata não sente prazer, alegria ou exaltação no seu coração. Se alguém honra, respeita, reverencia e venera o Tathagata, por conta disso o Tathagata pensa da seguinte forma: ‘Eles realizam esse tipo de ação para aquilo que já foi completamente compreendido.’[22]

39. “Portanto, bhikkhus, se alguém os insultar, ofender, xingar e molestar, vocês não deverão, por conta disso, dar lugar a nenhuma contrariedade, amargura ou tristeza no seu coração. E se alguém os honrar, respeitar, reverenciar e venerar, vocês não deverão, por conta disso, dar lugar a nenhum prazer, alegria ou exaltação no seu coração. Se alguém os honrar, respeitar, reverenciar e venerar, por conta disso, vocês devem pensar da seguinte forma: ‘Eles realizam esse tipo de ação para aquilo que já foi completamente compreendido.’

(Não é Seu)

40. “Portanto, bhikkhus, tudo aquilo que não é seu, abandonem-no. Ao abandoná-lo, isso irá conduzir ao seu bem-estar e felicidade por muito tempo. E o que, bhikkhus, não é seu? A forma material não é sua, abandonem-na. Ao abandoná-la, isso irá conduzir ao seu bem-estar e felicidade por muito tempo. A sensação não é sua, abandonem-na. Ao abandoná-la, isso irá conduzir ao seu bem-estar e felicidade por muito tempo. A percepção não é sua, abandonem-na. Ao abandoná-la, isso irá conduzir ao seu bem-estar e felicidade por muito tempo As formações volitivas não são suas, abandonem-nas. Ao abandoná-las, isso irá conduzir ao seu bem-estar e felicidade por muito tempo. A consciência não é sua, abandonem-na. Ao abandoná-la, isso irá conduzir ao seu bem-estar e felicidade por muito tempo.[23]

41. “Bhikkhus, o que vocês pensam? Se as pessoas levassem embora a grama, gravetos, galhos e folhas deste bosque de Jeta, ou se os queimassem, ou fizessem com eles o que desejassem, vocês pensariam: ‘As pessoas estão nos levando ou estão nos queimando ou estão fazendo conosco o que desejam?’ – “Não, venerável senhor. Por que não? Porque isso não é nem nosso eu, nem pertence ao nosso eu.” – “Da mesma forma, bhikkhus, tudo aquilo que não é seu, abandonem-no. Ao abandoná-lo, isso irá conduzir ao seu bem-estar e felicidade por muito tempo. E o que, bhikkhus, não é seu? A forma material não é sua ... A sensação não é sua ... A percepção não é sua ... As formações volitivas não são suas ... A consciência não é sua, abandonem-na. Ao abandoná-la, isso irá conduzir ao seu bem-estar e felicidade por muito tempo.

(Neste Dhamma)

42. “Bhikkhus, o Dhamma bem proclamado por mim, dessa forma, é claro, aberto, evidente e livre de remendos. [24] No Dhamma bem proclamado por mim, dessa forma, que é claro, aberto, evidente e livre de remendos, não existe um ciclo [futuro] de manifestação no caso daqueles bhikkhus que são arahants, com as impurezas destruídas, que viveram a vida santa, fizeram o que devia ser feito, depuseram o fardo, alcançaram o verdadeiro objetivo, destruíram os grilhões da existência e estão completamente libertados através do conhecimento supremo.[25]

43. “Bhikkhus, o Dhamma bem proclamado por mim, dessa forma, é claro ... livre de remendos. No Dhamma bem proclamado por mim, dessa forma, que é claro ... livre de remendos, aqueles bhikkhus que abandonaram os cinco primeiros grilhões irão todos, com certeza, renascer espontaneamente [na Morada Pura] e lá realizar o parinibbana, sem nunca mais retornar daquele mundo.

44. “Bhikkhus, o Dhamma bem proclamado por mim, dessa forma, é claro ... livre de remendos. No Dhamma bem proclamado por mim, dessa forma, que é claro ... livre de remendos, aqueles bhikkhus que abandonaram os três primeiros grilhões e atenuaram o desejo, raiva e delusão irão todos retornar uma vez a este mundo para dar fim ao sofrimento.

45. “Bhikkhus, o Dhamma bem proclamado por mim, dessa forma, é claro ... livre de remendos. No Dhamma bem proclamado por mim, dessa forma, que é claro ... livre de remendos, aqueles bhikkhus que abandonaram os três primeiros grilhões são aqueles que entraram na correnteza, não mais destinados aos mundos inferiores, com o destino fixo, eles têm a iluminação como destino.

46. “Bhikkhus, o Dhamma bem proclamado por mim, dessa forma, é claro ... livre de remendos. No Dhamma bem proclamado por mim, dessa forma, que é claro ... livre de remendos, aqueles bhikkhus que são discípulos do Dhamma e discípulos pela fé, estão todos destinados à iluminação.” [26]

47. “Bhikkhus, o Dhamma bem proclamado por mim, dessa forma, é claro ... livre de remendos. No Dhamma bem proclamado por mim, dessa forma, que é claro ... livre de remendos, aqueles bhikkhus que possuem fé suficiente em mim, amor suficiente por mim, estão todos destinados ao paraíso.” [27]

Isso foi o que disse o Abençoado. Os bhikkhus ficaram satisfeitos e contentes com as palavras do Abençoado.

 


 

Notas:

Veja o comentário de Ajaan Thanissaro.

[1] Este sutta, com uma bela introdução e notas explicativas detalhadas, também está disponível no inglês em uma tradução feita por Nyanaponika Thera. [Retorna]

[2] De acordo com o MA, enquanto refletia isolado ele chegou à conclusão de que não haveria dano se os bhikkhus mantivessem relações sexuais com mulheres e ele sustentava que isso não deveria ser proibido pelas regras monásticas. Embora a frase não mencione expressamente a questão sexual, os símiles dos prazeres sensuais, mencionados pelos bhikkhus, dão credibilidade ao comentário. [Retorna]

[3] Os primeiros sete símiles dos prazeres sensuais são explicados em mais detalhe no MN 54.15-21. [Retorna]

[4] A primeira parte do caso de Arittha aparece duas vezes no Vinaya Pitaka. No Vin ii.25 aparece a conseqüência na Sangha, proclamando um ato de suspensão, (ukkhepaniyakamma), contra Arittha, pela sua recusa em abrir mão da sua idéia incorreta. No Vin iv.133-34 a sua recusa em abandonar a sua idéia incorreta após repetidas advertências é definida como uma ofensa monástica da categoria Pacittiya. [Retorna]

[5] Embora o Pali use a palavra kama nos quatro casos, através do contexto da primeira frase deve ser entendido que esta se refere a prazeres sensuais objetivos, isto é, objetos que são desfrutados sensualmente, as outras frases se referem a impurezas subjetivas conectadas com a sensualidade, isto é, desejo sensual. MA equipara, “que alguém possa se ocupar com prazeres sensuais”, com, “que alguém desfrute de uma relação sexual”. MT diz que outros atos físicos que expressam desejo sexual como o abraço e a carícia também devem ser incluídos. [Retorna]

[6] MA explica que esta passagem é mencionada com o objetivo de mostrar o defeito em adquirir o conhecimento intelectual do Dhamma com a motivação incorreta – aparentemente a armadilha na qual Arittha havia caído. O “benefício, (attha), pelo qual ele aprendeu o Dhamma” são os caminhos e os frutos. [Retorna]

[7] Este conhecido “símile da balsa” prossegue com o mesmo argumento contra o mal uso do aprendizado apresentado pelo símile da cobra. Alguém que se preocupa em usar o Dhamma para gerar controvérsia e ganhar discussões carrega o Dhamma sobre a cabeça ao invés de usá-lo para cruzar a torrente. [Retorna]

[8] Dhamma pi vo pahatabba pageva adhamma. MA identifica os bons estados como sendo a tranqüilidade e o insight, (samatha-vipassana), e parafraseia o significado: “Eu ensino, bhikkhus, até mesmo o abandono do desejo e apego a esses estados sublimes e cheios de paz, como a tranqüilidade e o insight, tanto mais essa coisa baixa, vulgar, desprezível, grosseira e impura que esse tolo Arittha considera inócua, quando diz que não existe obstrução no desejo e cobiça pelos cinco prazeres sensuais”. O comentarista cita o MN 66.26-33 como um exemplo do Buda ensinando o abandono do apego à tranqüilidade e o MN 38.14 como um exemplo dele ensinando o abandono do apego ao insight. Note que em cada caso o apego aos bons estados é que deve ser abandonado, não os bons estados em si. A determinação do Buda não é um convite a um niilismo moral ou uma sugestão de que a pessoa iluminada tenha superado o bem e o mal. Com relação a isso veja o MN 76.51 [Retorna]

[9] Esta seção evidentemente tem o propósito de antecipar um outro tipo de conceito errado e deturpado do Dhamma, isto é, a introdução da idéia de um eu nos ensinamentos. De acordo com MA, os pontos de vista, (ditthitthana), tanto são idéias incorretas em si mesmas, como também base para outras idéias incorretas mais elaboradas; os objetos das idéias, isto é, os cinco agregados; e as condições para as idéias, isto é, tais fatores como a ignorância, percepção distorcida, pensamentos incorretos, etc. [Retorna]

[10] MA menciona que a noção “isso é meu” é induzida pelo desejo, a noção “isso sou eu” pela presunção e a noção “isso é o meu eu” pelas idéias incorretas. Esses três – desejo, presunção e idéias – são denominados as três obsessões, (gaha). Eles são também a causa principal por detrás da concepção (MN 1) e da proliferação mental (MN 18). [Retorna]

[11] MA: Esta série de termos mostra o agregado da consciência de forma indireta, através do seu objeto. O “visto” aponta para a consciência no olho, o “ouvido” para a consciência no ouvido, o “sentido” para os outros três tipos de consciência nos sentidos e o último se refere à consciência na mente. [Retorna]

[12] Esta é uma versão completa da visão do eterno que surgiu com base em uma idéia anterior, mais rudimentar, acerca da identidade; neste caso ela se torna em si mesma um objeto do desejo, presunção e a falsa idéia de um eu. Essa idéia parece refletir a filosofia dos Upanishads que afirma a identidade de um eu individual, (atman), com o espirito universal, (brahman), embora seja difícil estabelecer com base nos textos se o Buda tinha conhecimento acerca dos Upanishads. [Retorna]

[13] Asati na paritassati. O substantivo paritassana de acordo com MA tem a dupla conotação de medo e desejo, dessa forma “agitação” foi escolhida como contendo ambos. Agitação por aquilo que não existe externamente (verso 18) refere-se ao desespero pela perda ou não aquisição de posses; agitação por aquilo que não existe internamente (verso 20) é o desespero daquele que crê no eterno ao interpretar equivocadamente o ensinamento do Buda acerca de Nibbana como sendo uma doutrina de aniquilação. [Retorna]

[14] Pariggaham pariganhayyatha, literalmente, “você pode possuir esse objeto.” Isto se conecta com o verso 18 acerca da agitação por posses externas. [Retorna]

[15] Attavadupadanam upadiyetha, literalmente, “você pode se apegar a esse apego a uma doutrina de um eu”. Este trecho se conecta com o verso 20 acerca da agitação que surge de uma idéia acerca de um eu. [Retorna]

[16] O apoio em idéias, (ditthinissaya), de acordo com MA são as 62 idéias mencionadas no Brahmajala Sutta (DN 1) que emergem da idéia da identidade ou “doutrina de um eu”. Também pode incluir a idéia perniciosa adotada por Arittha no início do sutta. [Retorna]

[17] A noção “que pertence ao eu” ou “propriedade de um eu,” (attaniya), é atribuída a qualquer um dos cinco agregados que não seja identificado como eu, bem como a todas as posses externas do indivíduo. Esta passagem mostra a dependência mútua e dessa forma a falta de sustentação das noções gêmeas “eu” e “meu”. [Retorna]

[18] De acordo com os comentários, desencantamento, (nibbida - também interpretado como “náusea” ou “nojo”), significa o estágio máximo de insight, desapego, (viraga), é realizar o caminho supramundano e libertação, (vimutti), o fruto.[Retorna]

[19] “Assim ido ou assim vindo” é em Pali, tathagata, o epiteto usual do Buda, mas neste caso aplicado de uma maneira mais ampla ao arahant. MA interpreta este trecho de duas formas alternativas: (1) O arahant mesmo estando vivo não pode ser detectado no aqui e agora como um ser ou indivíduo (no sentido da presença de um eu) porque em última instância não existe um ser (um ‘eu’). (2) O arahant não pode ser detectado no aqui e agora porque é impossível que os devas, etc. encontrem o suporte para a sua consciência de insight, a consciência do caminho supramundano ou a consciência do fruto, (vipassanacitta, maggacitta, phalacitta) ; isto é, sendo Nibbana o objeto, a sua mente não pode ser conhecida pelo ser mundano. [Retorna]

[20] Isto se refere ao verso 20 onde aquele que crê no eterno confunde o ensinamento do Buda acerca de Nibbana, a cessação do ser, como envolvendo a aniquilação de um ser considerado como sendo o ‘eu’. [Retorna]

[21] A importância desta afirmação é mais profunda do que parece. No contexto das falsas acusações do verso 37, o Buda afirma que ele ensina que um ser vivo não é um eu mas um mero conglomerado de fatores, eventos materiais e mentais, conectados num processo que é inerentemente dukkha e que Nibbana, a cessação do sofrimento, não é a aniquilação de um ser mas o término desse processo insatisfatório. Esta afirmação deve ser lida em conjunto com o SN XII.15, onde o Buda diz que uma pessoa com o entendimento correto, que deixou de lado todas as doutrinas de um eu, vê que tudo aquilo que surge é somente dukkha surgindo e tudo aquilo que cessa é somente dukkha cessando. [Retorna]

[22] “Aquilo que já foi completamente compreendido,” (pubbe pariññatam), são os cinco agregados. Já que são somente eles que recebem as demonstrações de honra e ofensa, não um ‘eu’, não existe razão para a sublimidade ou depressão. [Retorna]

[23] MA indica que é o apego aos cinco agregados que deve ser abandonado; os agregados em si não podem ser despedaçados ou arrancados. [Retorna]

[24] MA: “Chinna-pilotika: pilotika é um trapo rasgado e gasto, remendado e com nós aqui e ali; não existe nada (no Dhamma) como isso – rasgado, gasto, remendado e com nós representados pela hipocrisia e outras enganações. [Retorna]

[25] Isto é: como os arahants alcançaram a libertação de todo o ciclo de existência, é impossível apontar algum mundo, dentro do ciclo, em que eles possam renascer. [Retorna]

[26] Essas são as duas classes de indivíduos que se encontram no caminho de ‘entrar na correnteza’. “Discípulos do Dhamma,” (dhammanusarin), são discípulos, para quem a faculdade da sabedoria, (paññindryia), é predominante, que desenvolvem o nobre caminho liderados pela sabedoria; quando atingem o fruto, eles são chamados de “aqueles que realizaram a visão,” (ditthipatta). “Discípulos pela Fé,” (saddhanusarin), são discípulos, para quem a faculdade da fé, (saddhindriya), é predominante, que desenvolvem o nobre caminho liderados pela fé; quando alcançam o fruto, eles são chamados de “liberados pela fé,” (saddhavimutta). [Retorna]

[27] MA diz que isto se refere a pessoas dedicadas à prática da meditação de insight que ainda não obtiveram nenhuma realização supramundana. Note que eles estão destinados apenas ao paraíso, não à iluminação. Mas, se a sua prática amadurecer, eles podem alcançar o caminho de ‘entrar na correnteza’ e dessa forma obter a segurança de alcançar a iluminação. A expressão saddhamattam pemamattam pode ser interpretada como “simplesmente fé, simplesmente amor” ou “só fé, só amor”, mas isto não explica a garantia de renascimento no paraíso. Portanto, parece obrigatório termos que usar o sufixo matta significando uma certa quantidade necessária de fé e amor e não simplesmente a posse dessas qualidades. [Retorna]

 

 

Revisado: 2 Abril 2014

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