Digha Nikaya 21
Sakkapanha Sutta
As Perguntas de Sakka
Somente para distribuição gratuita.
Este trabalho pode ser impresso para distribuição gratuita.
Este trabalho pode ser re-formatado e distribuído para uso em computadores e redes de computadores
contanto que nenhum custo seja cobrado pela distribuição ou uso.
De outra forma todos os direitos estão reservados.
1.1. Assim
ouvi. [1] Em certa ocasião, o
Abençoado estava em Magadha, ao leste de
Rajagaha, próximo do vilarejo Brâmane denominado Ambasanda, ao norte do vilarejo
no Monte Vediya, na Caverna Indasala. [2] E naquela ocasião, Sakka, o senhor dos devas,
[3] sentiu um forte desejo de ver o Abençoado.
E Sakka pensou: “Onde estará agora o Abençoado, o arahant, perfeitamente
iluminado?” Então, percebendo onde se encontrava o Abençoado, Sakka disse para
os devas do Trinta e Três: “Senhores, o Abençoado está em Magadha ... na
Caverna Indasala. E se nós fôssemos visitar o Abençoado?” - “Muito bem, venerável
senhor,” responderam os devas do Trinta e Três.
1.2. Então,
Sakka disse para o gandhabba Pancasikha: “O Abençoado está em Magadha ... na
Caverna Indasala. Eu proponho visitá-lo.” - “Muito bem, venerável senhor,”
Pancasikha disse e tomando o seu alaúde amarelo feito com a madeira da marmeleira-da-índia, ele seguiu acompanhando Sakka. E, com a mesma rapidez com que um homem
forte pode estender o seu braço flexionado ou flexionar o seu braço estendido,
Sakka, cercado pelos devas do Trinta e Três e acompanhado por Pancasikha,
desapareceu do paraíso dos Trinta e Três e apareceu em Magadha ... no Monte
Vediya.
1.3. Então,
uma tremenda luz brilhou sobre o Monte Vediya, iluminando o vilarejo de
Ambasanda – tão imenso era o poder dos devas –
que nos vilarejos ao redor todos diziam: “Vejam o Monte Vediya está
queimando hoje – está ardendo – está em
chamas! O que estará acontecendo para que o Monte Vediya e Ambasanda estejam
iluminados dessa forma?” E eles estavam tão aterrorizados que até os seus pelos
ficaram eriçados.
1.4. Então,
Sakka disse: “Pancasikha, é difícil para aqueles como nós se aproximarem dos
Tathagatas quando eles estão desfrutando dos prazeres da meditação, [4] e por essa razão, não acessíveis. Mas se você,
Pancasikha, primeiro atraísse o ouvido do Abençoado, então, depois, poderíamos
nos aproximar para ver o Abençoado, o arahant, perfeitamente iluminado.” - “Muito
bem, venerável senhor, Pancasikha respondeu e tomando o seu alaúde se aproximou
da Caverna Indasala. Pensando: “Aqui não estou nem muito longe e nem muito
perto do Abençoado e ele irá ouvir a minha voz,” ele ficou em pé a um lado.
Então, ao som do seu alaúde, ele cantou estes versos louvando o Buda, o Dhamma,
os Arahants e o amor:
1.5. “Senhora, saúdo o seu pai Timbaru,
Oh Suriyavaccasa,[5] eu concedo a
homenagem devida
para aquele que gerou uma donzela tão bela,
que é a razão da minha fascinação.
Deliciosa como a brisa para alguém suado,
ou como um trago refrescante para alguém sedento,
a sua beleza radiante é muito estimada
como o Dhamma para os Arahants.
Como o medicamento para o enfermo,
ou o alimento para o faminto,
traga-me, graciosa donzela, doce liberdade
como a água fresca para as chamas que me consomem.
O elefante, oprimido pelo calor do verão,
busca um lago de lotus onde flutuem
pétalas e pólen dessas flores,
assim nos seus seios delicados eu mergulharia.
Como um elefante, cutucado com a aguilhada,
não dá atenção a picadas de lança e arpão,
da mesma forma eu, desatento, sem saber o que faço,
embriagado pelo seu formoso corpo.
Por você meu coração está aprisionado,
todos os meus pensamentos se transformam, e eu
não consigo mais encontrar o meu caminho:
sou como um peixe preso num anzol com isca.
Venha, abraçe-me, donzela de coxas belas,
aprisione-me com os seus belos olhos,
aperte-me em seus braços, é tudo que peço!
Meu desejo inicialmente era tênue, Oh donzela
com cachos ondulantes, mas cresceu rapidamente,
como crescem as oferendas que os Arahants recebem.
Qualquer mérito que eu tenha obtido com as oferendas
para os Nobres, que a minha recompensa
quando frutificar, seja o seu amor!
Como o filho dos Sakyas arrebatado em jhana
decidido e diligente, busca o imortal,
assim decidido eu busco o seu amor, meu Sol!
Como o Sábio se alegraria, se ele
realizasse a suprema iluminação,
assim também eu me alegraria em unir-me a você.[6]
Se Sakka, o senhor dos devas do Trinta e Três
por acaso me oferecesse uma benção,
é você que eu cobiçaria, meu amor por você é muito forte.
O seu pai, sábia donzela, eu venero
como a uma árvore sal em plena florescência,
pela sua filha, tão bela e doce.”
1.6. Ao
ouvir isso, o Abençoado disse: “Pancasikha, o som das suas cordas combina tão
bem com a sua canção e a sua canção com as suas cordas, sendo que nenhum se
sobressai em relação ao outro. Quando você compôs esses versos sobre o Buda, o
Dhamma, os Arahants e o amor?” - “Venerável senhor, foi quando o Abençoado estava
às margens do Rio Neranjara, sob a figueira-dos-pagodes, antes da sua
iluminação. Naquela época eu me apaixonei pela jovem Bhadda, brilhante como o
sol, filha do Rei Timbaru dos gandhabbas. Mas a jovem estava apaixonada por
outro. Era Sikhaddi, o filho do cocheiro Matali que ela preferia. E quando
descobri que não poderia conquistá-la de nenhum modo, tomei o meu alaúde e fui
até a casa do Rei Timbaru e lá cantei estes versos:
1.7.
(Versos igual a 1.5). “Venerável senhor, depois de ouvir os versos, a jovem
Bhadda Suriyavaccasa disse: ‘Senhor, eu não me encontrei com esse Venerável
Abençoado, embora já tenha ouvido falar dele quando estive no salão Sudhamma
dos devas do Trinta e Três para dançar. Visto que você elogia tanto esse
venerável Abençoado, vamos nos encontrar hoje.’ E assim, venerável senhor, eu
me encontrei com a jovem, não naquela ocasião, mas mais tarde.”
1.8. Então,
Sakka pensou: “Pancasikha e o Abençoado estão conversando amigavelmente,” assim
ele chamou Pancasikha: “Estimado Pancasikha, cumprimente o Abençoado em meu
nome, dizendo: ‘Venerável senhor, Sakka, senhor dos devas, junto com os seus
ministros e acompanhantes, presta uma homenagem aos pés do Abençoado.’” - “Muito
bem, venerável senhor,” disse Pancasikha, e assim ele fez.
“Pancasikha,
que Sakka, o senhor dos devas, os seus ministros e acompanhantes sejam felizes,
pois todos eles desejam a felicidade:
devas, humanos, asuras, nagas, gandhabbas e quaisquer outros grupos de
seres que existam!” pois essa é a forma como os Tathagatas saúdam esses seres
poderosos. Depois das saudações, Sakka entrou na Caverna Indasala, cumprimentou
o Abençoado e ficou em pé a um lado e os devas do Trinta e Três, junto com
Pancasikha, fizeram o mesmo.
1.9. Então,
na Caverna Indasala as passagens irregulares se aplainaram, as partes estreitas
se alargaram e a caverna escura se iluminou devido ao poder dos devas. Então, o
Abençoado disse para Sakka: “É maravilhoso, é admirável que o venerável Kosiya
com tantos afazeres, com tantas coisas para fazer, tenha vindo até aqui!” - “Venerável
senhor, faz muito tempo que desejo visitar o Abençoado, mas tenho estado sempre
tão atarefado que fui incapaz de vir antes. Certa vez o Abençoado estava em
Savatthi na cabana Salala e eu fui até Savatthi para ver o Abençoado.
1.10.
“Naquela ocasião, o Abençoado estava sentado em meditação e Bhunjati, a esposa
do Rei Vessavana estava atendendo o Abençoado, venerando-o com as palmas das
mãos juntas. Eu lhe disse: ‘Senhora, por favor cumprimente o Abençoado por mim
e diga: “Sakka, o senhor dos devas, com os seus ministros e acompanhantes,
presta uma homenagem aos pés do Abençoado.” Mas ela disse: “Senhor, não é o
momento apropriado para ver o Abençoado, ele está em retiro.” - “Muito bem então,
senhora, quando o Abençoado levantar da meditação, por favor lhe diga o que
acabo de dizer.” - “Venerável senhor, aquela senhora o saudou em meu nome e o
Abençoado se recorda do que ela disse?” - “Ela me cumprimentou, senhor dos devas,
e eu me recordo daquilo que ela disse. Eu também me recordo que foi o ruído das
rodas da sua carruagem que fez com que eu emergisse da minha meditação.” [7]
1.11. “Venerável senhor, aqueles devas que nasceram no mundo do Trinta e
Três antes de mim disseram e asseguraram que sempre que um Tathagata, um arahant,
perfeitamente iluminado surge no mundo, as hostes dos devas aumentam e aquelas
dos asuras diminuem em número. Na verdade, eu mesmo testemunhei isso. Havia,
venerável senhor, aqui mesmo em Kapilavatthu uma moça Sakya chamada Gopika que
tinha convicção no Buda, no Dhamma e na Sangha, e que era escrupulosa ao
observar os preceitos de virtude. Ela rejeitou o status de mulher e desenvolveu
o pensamento de se tornar um homem. Depois, após a morte, com a dissolução do
corpo, ela foi para um destino feliz, renascendo no paraíso entre os devas do
Trinta e Três, como um dos nossos filhos, passando a ser conhecido como Gopaka,
o filho dos devas. E além disso, havia três bhikkhus que, depois de viver a
vida santa sob o Abençoado, renasceram na condição inferior de gandhabbas. Eles
viviam gozando dos prazeres dos cinco sentidos, como nossos criados. Em vista
disso, Gopaka os censurava dizendo: ‘O que estavam fazendo, senhores, que não
ouviram os ensinamentos do Abençoado? Eu era uma mulher que tinha convicção no
Buda ... eu rejeitei o status de mulher ... e renasci entre os devas do Trinta
e Três e sou conhecido como Gopaka, o filho dos devas. Mas vocês depois de
terem vivido a vida santa renasceram na condição inferior de gandhabbas!’ E
sendo assim censurados, dois daqueles devas de imediato desenvolveram a atenção
plena e assim alcançaram o mundo do cortejo de Brahma. [8] Mas um deles permaneceu entregue aos prazeres sensuais.
1.12
[Gopaka disse:]
“’Uma vez discípula Daquele-que-vê,
tinha então o nome Gopika.
Com firme convicção no Buda e Dhamma
eu servi a Sangha com alegria.
Pelo leal serviço que lhe dediquei
olhem para mim agora, um filho de Sakka,
poderoso, no mundo do Trinta e Três.
Luminoso; Gopaka o meu nome.
Então vi bhikkhus de antigamente, que não superaram
o nível de um gandhabba,
que antes tiveram uma vida humana
e viveram a vida guiada pelo Buda.
Nós lhes demos comida e bebida
e os servimos nas nossas casas.
Não tinham eles ouvidos, e mesmo abençoados,
ainda assim não conseguiram entender a lei do Buda?
Cada um tem que entender por si mesmo
o Dhamma ensinado, bem proclamado,
por Aquele-que-vê. Eu, servindo-os,
ouvi as boas palavras dos Nobres,
e assim nasci, um filho de Sakka,
poderoso, no mundo do Trinta e Três,
e luminoso, enquanto que vocês
embora tenham servido o Príncipe dos Homens
e tenham vivido a insuperável vida que ele ensinou,
renasceram num estado humilde,
e não alcançaram um status apropriado,
algo triste de ser visto
um companheiro do Dhamma que tenha decaído tanto
que, gandhabbas, vocês
meramente servem aos devas,
e quanto a mim – eu estou mudado!
Da vida em família, mulher, eu
agora renasci masculino, um deva,
regozijando-me com o prazer celestial!’
Sendo assim censurados por Gopaka,
um verdadeiro discípulo de Gotama,
aflitos, sofridos, eles responderam:
‘Ai de nós, vamos, esforcemos-nos com todo empenho,
e não sejamos mais escravos dos outros!’
E dos três, dois se esforçaram com empenho,
e mantiveram na mente as palavras do Mestre.
Eles purificaram a mente da cobiça,
compreendendo o perigo dos desejos,
e como o elefante que rompe
todas as amarras, eles romperam
os grilhões da cobiça,
aqueles grilhões do Senhor do Mal
tão difíceis de superar – e assim,
os verdadeiros devas, do Trinta e Três,
com Indra e Pajapati,
entronizados no Salão do Conselho,
aqueles dois heróis, com as paixões purificadas,
superaram-nos e os deixaram para trás.
Ao vê-los, Vasava,[9] consternado,
o cabeça daquela multidão de devas,
exclamou: ‘Vejam como esses de um nível inferior
superam os devas do Trinta e Três!’
Então ouvindo os temores do seu superior
Gopaka disse para Vasava:
‘Senhor Indra, no mundo dos homens
um Buda, chamado Sakyamuni,[10]
obteve o domínio da cobiça,
e esses seus discípulos, com a atenção plena
falha ao serem demandados pela morte,
agora a reconquistaram com a minha ajuda.
Embora um deles tenha ficado para trás
e ainda permaneça com os gandhabbas,
estes dois, determinados pela suprema sabedoria,
em profunda absorção desdenham os devas!
Que nenhum discípulo duvide
que a verdade também pode ser realizada
por aqueles que se encontram nestes mundos. [11]
Para aquele que cruzou a torrente e deu
um fim às duvidas, damos a nossa homenagem
ao Buda, Vitorioso.’
Mesmo aqui eles realizaram a verdade e assim
faleceram para uma maior eminência.
Esses dois conquistaram um lugar mais elevado que este
no mundo do cortejo de Brahma. E nós
viemos, venerável senhor, com a esperança de que possamos realizar
essa verdade, e se o Abençoado permitir,
formular algumas questões.”
1.13.
Então, o Abençoado pensou: “Sakka tem vivido uma vida pura há muito tempo.
Qualquer pergunta que ele fizer será objetiva e não frívola e ele entenderá as
minhas respostas com rapidez.” Assim, o Abençoado respondeu a Sakka com estes
versos:
“Pergunte, Sakka, tudo que desejar!
Aquilo que você perguntar, irei satisfazer a sua mente.”
[Fim da
primeira recitação]
2.1. Tendo
sido assim convidado, Sakka, o senhor dos devas, fez a primeira pergunta para o
Abençoado: “Através de quais grilhões, senhor, os seres são aprisionados –
devas, humanos, asuras, nagas, gandhabbas e quaisquer outros tipos que existam
– através dos quais, embora eles desejem viver sem raiva, sem causar dano, sem
hostilidade, sem maldade e em paz, eles no entanto vivem com raiva, causando
dano uns aos outros, com hostilidade e maldade?” Essa foi a primeira pergunta
de Sakka para o Abençoado, e o Abençoado respondeu: “Senhor dos devas, são os
grilhões da inveja e do egoísmo [12] que
agrilhoam os seres de modo que, embora eles desejem viver sem raiva, ... eles
no entanto vivem com raiva, causando dano uns aos outros, com hostilidade e
maldade.” Essa foi a resposta do Abençoado, e Sakka, satisfeito, exclamou:
“Assim é, Abençoado, assim é, Abençoado! Através da resposta do Abençoado eu
superei a dúvida e me livrei da incerteza!”
2.2. Então, Sakka, tendo expressado a sua satisfação, fez uma outra
pergunta: “Mas senhor, o que dá origem à inveja e o egoísmo, qual é a sua
origem, como eles nascem, como eles surgem? Devido à presença do que eles
surgem, devido à ausência do que eles não surgem?”
“Inveja e egoísmo, senhor
dos devas, surgem dos gostos e desgostos, [13] essa
é a sua origem, assim é como eles nascem, assim é como surgem. Quando isso está
presente, eles surgem; quando isso está ausente, eles não surgem.”
“Mas,
senhor, o que dá origem aos gostos e desgostos? ... Devido à presença do que
eles surgem, devido à ausência do que eles não surgem?”
“Eles surgem, senhor
dos devas, do desejo ... Devido à presença do desejo eles surgem, devido à
ausência do desejo eles não surgem.”
“Mas senhor, o que dá origem ao desejo?”
...
“Desejo, senhor dos devas, surge do pensamento [14] ... Quando a mente pensa em algo, o desejo surge; quando a mente
não pensa em nada, o desejo não surge.”
“Mas, senhor, o que dá origem ao
pensamento?” ...
“Pensamento, senhor dos devas, surge da tendência para a
proliferação [15] ... Quando essa tendência
está presente, o pensamento surge; quando ela está ausente, o pensamento não
surge.”
2.3. “Muito
bem, senhor, qual prática foi adotada pelo bhikkhu que alcançou o caminho
correto que é necessário para conduzir à cessação da tendência para a
proliferação?”
“Senhor dos
devas, eu declaro que há dois tipos de felicidade: o tipo que deve ser
desenvolvido e o tipo que deve ser evitado. O mesmo se aplica à infelicidade e
a equanimidade. Porque declarei isso com relação à felicidade? Assim é como
entendi a felicidade: Quando observei que ao buscar tal felicidade, os fatores
inábeis aumentam e os fatores hábeis diminuem, então essa felicidade deve ser
evitada. E quando observei que ao buscar tal felicidade os fatores inábeis
diminuem e os fatores hábeis aumentam, então essa felicidade deve ser buscada.
Agora, aquela felicidade que é acompanhada pelo pensamento aplicado e
sustentado, [16] e aquela que não é
acompanhada, a última é a melhor. O mesmo se aplica à infelicidade e à
equanimidade. E essa, senhor dos devas, é a prática adotada pelo bhikkhu que
alcançou o caminho correto ... conduzindo à cessação da tendência para a
proliferação.” E Sakka expressou a sua satisfação com a resposta do Abençoado.
2.4. Então,
Sakka, tendo expressado a sua satisfação, fez uma outra pergunta: “Muito bem,
senhor, qual prática foi adotada pelo bhikkhu que alcançou a disciplina exigida
pelas regras?” [17]
“Senhor dos devas, eu declaro que há dois tipos de conduta corporal: o
tipo que deve ser desenvolvido e o tipo que deve ser evitado. O mesmo se aplica
à conduta com a linguagem e com a mente. Porque declarei isso com relação à
conduta corporal? Assim é como entendi a conduta corporal: Quando observei que
ao praticar certas ações, os fatores inábeis aumentam e os fatores hábeis
diminuem, então, esse tipo de conduta corporal deve ser evitada. E quando
observei que ao praticar certas ações os fatores inábeis diminuem e os fatores
hábeis aumentam, então, esse tipo de conduta corporal deve ser buscada. É por
isso que faço essa distinção. O mesmo se aplica à conduta com a linguagem e com
a mente. E essa, senhor dos devas, é a prática adotada pelo bhikkhu que
alcançou a disciplina exigida pelas regras.” E Sakka expressou a sua satisfação
com a resposta do Abençoado.
2.5. Então,
Sakka fez uma outra pergunta: “Muito bem, senhor, qual prática foi adotada pelo
bhikkhu que alcançou o controle das suas faculdades dos sentidos?”
“Senhor dos
devas, eu declaro que as coisas conscientizadas através do olho são de dois tipos: O
tipo que deve ser desenvolvido e o tipo que deve ser evitado. O mesmo se aplica
às coisas conscientizadas através do ouvido, nariz, língua, corpo e mente.” Em vista
disso, Sakka disse: “Venerável senhor, eu entendo completamente o verdadeiro
significado daquilo que o Abençoado esboçou de forma resumida. Venerável senhor,
qualquer objeto percebido através do olho, se a sua busca conduz ao aumento dos
fatores inábeis e a diminuição dos fatores hábeis, esse objeto não deve ser
buscado; se a busca conduz à diminuição dos fatores inábeis e o aumento dos
fatores hábeis, esse objeto deve ser buscado. E o mesmo se aplica às coisas
conscientizadas através do ouvido, nariz, língua, corpo e mente. Assim é como
entendo completamente o verdadeiro significado daquilo que o Abençoado esboçou
de forma resumida, e assim através da resposta do Abençoado eu superei a dúvida e
me livrei da incerteza.”
2.6. Então,
Sakka fez uma outra pergunta: “Senhor, todos os contemplativos e Brâmanes
ensinam a mesma doutrina, praticam a mesma disciplina, querem a mesma coisa e
buscam o mesmo objetivo?”[18]
“Não, senhor
dos devas, não é assim.”
“Mas porque, senhor, não é assim?”
“O mundo, senhor
dos devas, é composto de muitos e variados elementos. Sendo assim, os seres se
apegam a uma ou outra dessas várias coisas e ao que quer que eles se apeguem
eles se entregam a isso com intensidade e declaram: ‘Somente isto é verdadeiro,
todo o restante é falso!’ Por conseguinte, nem todos ensinam a mesma doutrina,
praticam a mesma disciplina, querem a mesma coisa e buscam o mesmo objetivo.”
“Senhor,
todos os contemplativos e Brâmanes possuem o conhecimento supremo, estão
libertados dos grilhões, perfeitos na vida santa, realizaram o verdadeiro
objetivo?”
“Não, senhor dos devas.”
“Porque não, senhor?”
“Apenas aqueles,
senhor dos devas, que estão libertados através da destruição do desejo possuem
o conhecimento supremo, estão libertados dos grilhões, perfeitos na vida santa
e realizaram o verdadeiro objetivo.” E Sakka ficou satisfeito com a resposta.
2.7. Então,
Sakka disse: “A paixão, [19] senhor, é uma
enfermidade, um câncer, uma flecha. Ela seduz um homem, arrastando-o para este
ou aquele estado de ser/existir, e assim ele renasce em estados superiores ou
inferiores. Enquanto outros contemplativos e Brâmanes com idéias discordantes
não me deram a oportunidade de fazer estas perguntas, o Abençoado intruiu-me em
detalhe e assim removeu o espinho da dúvida e incerteza.”
“Senhor dos devas,
você reconhece ter feito as mesmas perguntas para outros contemplativos e
Brâmanes?”
“Sim, Venerável senhor.”
“Então, se você não se importa, por favor
diga-me o que eles disseram.”
“Eu não me importo de contar para o Abençoado ou
alguém como ele.”
“Então diga, senhor dos devas.”
“Venerável
senhor, eu fui até aqueles que são considerados contemplativos e Brâmanes
devido à sua vida em solidão nas florestas e eu fiz a eles as mesmas perguntas.
Mas ao invés de me darem uma reposta apropriada, eles me perguntavam: ‘Quem é
você, venerável senhor?’ Eu respondia que era Sakka, senhor dos devas, e eles
me perguntavam o que me havia levado a eles. Então, eu lhes ensinava o Dhamma
até o ponto em que eu havia ouvido e praticado. Mas eles ficavam muito
satisfeitos mesmo com esse tanto e diziam: ‘Nós vimos Sakka, o senhor dos
devas, e ele respondeu as perguntas que fizemos!’ E eles se tornaram meus
pupilos ao invés de eu deles. Mas eu, venerável senhor, sou um discípulo do
Abençoado, entrei na correnteza, não mais destinado aos mundos inferiores, com
o destino fixo, tenho a iluminação como destino.”
“Senhor dos devas, você
admite ter alguma vez experimentado antes regozijo e felicidade como a que você
agora experimenta?”
“Sim, venerável senhor.”
“E quando foi isso?”
“No passado,
venerável senhor, irrompeu a guerra entre os devas e os asuras, e os devas
derrotaram os asuras. Depois da batalha, vitorioso, eu pensei: ‘Qualquer que
seja o alimento dos devas, bem como o alimento dos asuras, de agora em diante
desfrutaremos de ambos.’ Mas, venerável senhor, essa felicidade e satisfação
que era devida a golpes e ferimentos, não conduz ao desencantamento, desapego,
cessação, paz, conhecimento direto, iluminação e Nibbana. Mas aquela felicidade
e satisfação que é obtida ouvindo o Dhamma do Abençoado, que não provém de
golpes e ferimentos, conduz ao desencantamento, desapego, cessação, paz,
conhecimento direto, iluminação e Nibbana.”
2.8. “E,
senhor dos devas, quais são as coisas que vêm à sua mente quando você
experimenta uma felicidade e satisfação como essa?”
“Venerável senhor, nessa
ocasião, seis coisas com as quais me regozijo me vêm à mente:
‘Eu que apenas existo como um deva, consegui
a oportunidade, devido ao kamma, de uma outra vida humana.’[20]
Essa, venerável senhor, é a primeira coisa que me ocorre.
‘Deixando para trás este mundo não humano de devas,
inevitavelmente buscarei o ventre que quero encontrar.’
Essa,
venerável senhor, é a segunda coisa ...
‘Meus problemas solucionados, com satisfação viverei de acordo com a lei
do Buda, controlado e plenamente atento, com plena consciência.’
Essa,
venerável senhor, é a terceira coisa ...
‘E se dessa forma eu realizar a iluminação,
como aquele-que-sabe permanecerei, aguardando o meu fim.’
Essa,
venerável senhor, é a quarta coisa ...
‘Então, quando novamente deixar o mundo humano, eu serei
uma vez mais um deva, com um nível mais alto.’
Essa,
venerável senhor, é a quinta coisa ...
‘Mais gloriosos que os devas são os devas do Akanittha,
entre os quais farei minha última morada.’
Essa,
venerável senhor, é a sexta coisa que me ocorre, e essas são as seis coisas com
as quais me regozijo.
2.9. “Por muito tempo perambulei, insatisfeito,
com dúvidas,
em busca do Tathagata. Eu pensei, os
eremitas que vivem em isolamento e no ascetismo
com certeza devem ser iluminados: irei procurá-los.
‘O que devo fazer para ser bem sucedido, e que
curso conduz ao fracasso?’ – mas, assim perguntados,
eles não foram capazes de me dizer como trilhar o caminho.
Ao invés disso, ao descobrirem que eu era o rei
dos devas, eles me perguntavam porque fui até eles,
e era eu quem lhes ensinava aquilo que sabia
do Dhamma, e em vista disso, regozijando-se
eles exclamavam: ‘É Vasava, o Senhor, nós o vimos!’
Mas agora – eu vi o Buda e as minhas dúvidas
se dissiparam, meus medos se apaziguaram,
e agora ao Iluminado eu presto
a devida homenagem, a ele que removeu a flecha
do desejo, ao Buda, o Abençoado inigualável
herói poderoso, parente do sol!
Como Brahma é venerado pelos devas,
assim também, hoje, nós o veneramos,
Iluminado e Mestre insuperável,
que não pode ser igualado por ninguém no mundo humano,
ou nos paraísos, a morada dos devas!”
2.10. Então Sakka, o senhor dos devas, disse para o gandhabba
Pancasikha: “Estimado Pancasikha, você me ajudou muito ao chamar a atenção do
Abençoado. Pois foi através de você que fomos admitidos na presença do
Abençoado, um arahant, perfeitamente iluminado. Eu serei como um pai para você,
você será o rei dos gandhabbas, e eu lhe darei Bhadda Suriyavaccasa, que você
tanto deseja.”
Então,
Sakka, o senhor dos devas, tocou a terra com a sua mão e exclamou três vezes:
“Honra ao Abençoado, o Arahant, o
Buda perfeitamente iluminado!
Honra ao Abençoado, o Arahant, o
Buda perfeitamente iluminado!
Honra ao Abençoado, o Arahant, o
Buda perfeitamente iluminado!”
E enquanto
ele falava, [21] o olho imaculado do Dhamma
surgiu em Sakka, o senhor dos devas, e ele compreendeu: ‘Tudo que está sujeito
ao surgimento está sujeito à cessação.’ E a mesma coisa também ocorreu com
oitenta mil devas.
Essas foram
as questões que Sakka, o senhor dos devas, desejava perguntar e que foram
respondidas pelo Abençoado. Por conseguinte, este discurso é chamado “As
Perguntas de Sakka.”
Notas:
[1] Mais um sutta que ocorre num contexto mitológico com algumas
características fora do comum, incluindo o gandhabba Pancasikha atraindo a
atenção do Buda através de uma canção de amor! Este sutta, pelo seu contexto
aliado à profundidade dos temas tratados, lembra alguns dos suttas posteriores
da tradição Mahayana. [Retorna]
[2] A caverna ainda era habitada por ocasião da visita do peregrino
Chinês Fa-hsien, (cerca de 405 da era Cristã), mas na época de Hsiian-tsang, (cerca de 630 da era Cristã), a caverna estava deserta.
[Retorna]
[3] Sakka é o senhor dos devas do Trinta e Três, num mundo que ainda
pertence ao reino da esfera sensual, (kamavacara), acima do mundo dos
Quatro Grandes Reis mas muito abaixo do mundo de Brahma. [Retorna]
[4] De acordo com Sakka, essa meditação seriam os Jhanas, mas ele não poderia saber que tipo de
meditação o Tathagata estava praticando. [Retorna]
[5] Veja o DN 20.10. [Retorna]
[6] Como veremos abaixo, este texto foi ao que parece composto antes da
iluminação de Gotama, embora isto conflite com a menção feita há pouco aos
Arahants. [Retorna]
[7] Isto parece conflitar com o DN 16.4.28.
[Retorna]
[8] Um mundo acima dos devas do Trinta e Três (veja nota 3). [Retorna]
[9] Vasava é um outro nome de Sakka. [Retorna]
[10] Sakyamuni: um termo comum para o Buda nos textos Mahayana
mas extremamente raro no Cânone em Pali. [Retorna]
[11] Em geral, é considerado quase impossível que os seres dos mundos
paradisíacos possam realizar a iluminação – quase, mas não completamente, é a
mensagem neste caso. [Retorna]
[12] Issa-macchariya. [Retorna]
[13] Piya-appiya: “querido e não querido”, “prazeroso e
desprazeroso”, “amores e desafetos”. [Retorna]
[14] Vitakka. [Retorna]
[15] Papanca: veja o MN 18. [Retorna]
[16] Vitakka-vicara. Estes são dois fatores do primeiro jhana. [Retorna]
[17] Patimokkha. [Retorna]
[18] Pergunta semelhante é feita por Subhada no DN
16.5.26. [Retorna]
[20] Esta afirmação sustenta a idéia de que um deva tem de retornar ao
estado humano para realizar a iluminação, muito embora Sakka pareça já ter entrado
na correnteza. [Retorna]
[21] Não fica claro se Sakka entrou na correnteza neste ponto ou antes,
no verso 2.7. De acordo com DA, Sakka havia percebido, com pavor, os sinais de
que o seu tempo como rei dos devas estava chegando ao fim e por isso foi
visitar o Buda. [Retorna]
Revisado: 16 Abril 2013
Copyright © 2000 - 2021, Acesso ao Insight - Michael Beisert: editor, Flavio Maia: designer.